sábado, 31 de agosto de 2013

Caça ao mamute.

Seguia de carro pela Rua Conde de S. Bento, quando avisto um curto espaço para estacionamento só ao alcance dos melhores, daqueles que se “picam” quando são ultrapassados. De imediato dou pisca e estaciono um pouco mais à frente, num local com mais espaço…sempre encarei a ultrapassagem como algo normal para quem conduz. Desligo o rádio, meto marcha atrás seguida de uma primeira e o carro fica devidamente aparcado.
- Porque desligaste o rádio?! – pergunta a Cristina, que me acompanhava nesta manhã.
Em tom sério, respondo:
- Os meus antepassados caçavam mamutes!

Vivemos no tempo das drogas e antidepressivos, da psicologia e dos livros de auto ajuda, das vidas de sonho e consequentes frustações…continuamos a questionar de onde Vimos e para onde Vamos.
Para onde Vamos? Não sei! Mas sei que Vimos do tempo das cavernas, em que a mulher ficava em “casa” e o homem ia caçar mamutes…isto explica tudo nos dias de hoje e tendo noção deste passado pode-nos evitar muita consulta psiquiátrica e antidepressivos!
Se a mulher ancestral ficava na caverna  e dispersava a atenção com os filhos, a grunhir com as outras e a catar piolhitos, o homem tinha que encarar todos os perigos do mundo exterior à procura de caça, principalmente o MAMUTE!
Esta actividade extremamente perigosa, principalmente quando o mamute mostrava os dentinhos, obrigava o homem primitivo a uma focalização plena no seu objectivo, desligando o rádio para melhor se concentrar no arremesso da lança. É esta informação genética que está gravada no Nosso ADN.

Avançando no tempo ,muitas dezenas de milhares de anos, o homem moderno quando vai a um hipermercado comprar uma batata a pedido da sua mulher, compra só uma batata, sem se deixar distrair por uma qualquer promoção. Chegado a casa, por norma ela pergunta:
- Não viste mais nada que pudesse interessar?
Esta pergunta, estranha para o homem, mostra que elas se esqueceram que nós caçávamos mamutes!
A caça obrigava, também, a uma cooperação entre os elementos do grupo caçador, criando laços de amizade e de lealdade, reflectidos nas futeboladas com os amigos em que, unindo esforços, atacamos para o mesmo lado, tentando acertar no “mamute”! Já as mulheres, protegidas pelas paredes das cavernas e sem um inimigo comum para combater, não criaram os mesmos tipos de “laços”, e é norma cruzarem conversas; nas compras,em vez de comprarem a batata, compram um qualquer shampoo de algas; e um pormenor de classe…com mais facilidade dão uma facadinha nas costas da “amiga”!

Mas a mulher moderna teima em apagar esta informação genética naquilo que tem de mais puro e bonito! Se até ao tempo dos nossos pais, quando ele chegava a casa ao final do dia e dizia – Mulher, cheguei de caçar mamutes! – tinha direito a sentar-se no sofá e ver televisão enquanto o jantar não estava pronto, neste dias que correm a mulher parece preferir um caçador de grilos do que o verdadeiro caçador de mamutes! A razão é simples,ela fica com mais tempo para as conversas cruzadas e para dar uso à faca!!!

Estas diferenças entre homens e mulheres, vindas do passado fazem com que sejamos, não melhores uns do que os outros, mas diferentes, muito diferentes!

sábado, 24 de agosto de 2013

Amor de Verão!

Era uma vez…esta história não começa assim!

-Atira-te, atira-te ao mar! - Diz ela em tom decidido.
Estão os dois no limite de uma falésia, a cem metros acima do nível do mar.
- Mas eu não sei nadar. Se me atiro afogo-me por mais que esbraceje…é uma questão de tempo! -responde ele não querendo acreditar no que ouvia da boca de Maria.
- Não vês que é a coisa mais sensata a fazer? Quem mais gosta perde, e tu perdeste. Vá lá. Somos adultos, eu fico aqui em terra e segura e tu atiras-te. Se não for no mar, morres nesse teu banho de lágrimas. Arrisca, quem sabe se enquanto te afogas, por momentos não descobres um novo mundo!
Neste discurso de suposta, angélica e piedosa racionalidade de Maria, Alexandre Roma, nome da nossa triste figura, depressa penetra nos seus próprios pensamentos e conceitos da vida, questionando-se por que razão não é tudo simples, já que tudo é complicado. Mas do discurso de Maria, Alexandre Roma capta duas palavras importantes, “arrisca” e “descobres”, que são o dispositivo para uma explosão interior, mais uma em Alexandre Roma, qual Dom Quixote, se calhar este mais triste, ou não, e lança-se da falésia, resultado de um impulso e não de um pensamento.
A queda de Alexandre Roma demorou cerca de quinze segundos, que ele aproveitou ao máximo para experimentar a sensação de queda livre, porque certamente iria morrer do impacto com a água. Se isso não acontecesse, do afogamento não se safava, tendo no máximo mais dois minutos de vida consciente, pelo que Alexandre Roma quis aproveitar ao máximo os seus dois minutos e quinze segundos de vida.

Para Alexandre Roma, estar dois minutos seguidos consciente, seria um novo record nos seus trinta e tal anos de vida. Se fosse contemporâneo de Dom Quixote, certamente seriam grandes amigos. Iriam partilhar batalhas imaginárias, copos reais e mulheres…imaginárias.

Alexandre Roma cai em silêncio, usufruindo dos sentidos nesta sua última experiência em vida, não contando com  a derradeira experiência, que seria a da morte.
Eis que é avistado por quatro gaivotas que decidem ajudá-lo e precipitam-se para Alexandre Roma, agarrando-o pelos braços e pernas e iniciaram um bater de asas louco para diminuírem a velocidade de queda da nossa triste figura. De nada adiantou, apenas diminuíram a velocidade em três metros por hora!
Splash! Alexandre Roma atinge a água com uma barrigada monumental, que nos Jogos Olímpicos na modalidade de Salto para a Água, certamente teria nota 0.
Neste impacto, a dor que Alexandre Roma sentiu não foi física, mas sim interior, muito profunda. Sentiu-se a esvaziar de vida e por mais que esbracejasse não conseguia vir à superfície. A Morte estava próxima!
Desesperado e impotente, Alexandre Roma deixa de lutar pela Vida e chora, chora,…de tal maneira que o Mar ficou mais salgado e o nível da água subiu um metro em todo o mundo, como se ele fosse rodeado por uma barragem gigante, que de uma vez só, abrisse as comportas, deixando os cientistas alarmados, pensando que o processo de degelo dos glaciares tinha acelerado.
Alexandre Roma já não tem oxigénio nos pulmões, suas artérias, veias e órgãos ficam inundados de água. O sangue que o coração bombeia já não transporta vida, as células começam a morrer, é o fim de Alexandre Roma…
Inexplicavelmente, a teoria da evolução e dos mais bem adaptados, que explica mudanças ao longo de milhares e milhões de anos, acontece em Alexandre Roma em poucos segundos, o seu corpo começa a mudar, todos os seus órgãos se adaptam à vida marinha. Já consegue respirar!
Da morte certa Alexandre Roma desperta, e o primeiro pensamento que lhe surge é a imagem de Maria.

Neste momento a nossa figura, ainda triste figura, desconhece o maior poder do sal do mar. Este é capaz de colar todos os cacos de um coração despedaçado!
   

  
                                                                                                                   Fim da 1ª parte

                                                                                                                   Continua no próximo verão.

sábado, 17 de agosto de 2013

Antero, o “Rebola a bunda”.

Antero, reformado, 66 anos, bem casado, a esposa mal, três filhos feitos e quatro netos, gasta parte do seu tempo livre, como uma parte considerável das pessoas na sua condição de reformadas, a brilhar pelos clubes dançantes onde angariou a alcunha de “Rebola a bunda”. O que distingue Antero dos outros "jovens" da sua idade é a sua moral, que o leva a pensar que é um destruidor de corações.

Abandona a casa de Lurdes (uma amiga), esfrangalhada de dor no peito. Antero impiedoso, bate a porta com um sorriso de “três dentes”, por mais uma mulher reduzida a quase nada pelo seu charme fatal, Lurdes desesperada tenta alcançar a mesinha de cabeceira onde guarda o aparelho da asma, doença que lhe provoca dores fortes na caixa toráxica. No rés do chão Antero bate a porta do prédio e cantarola alto para não ouvir os gritos de um coração destroçado pelo amor, enquanto Lurdes chora por ter virado a última garrafa de wisky…ia ter que sair para comprar outra!
Antero dirige-se para a dancetaria “Arrasta o pé”, pelo caminho avisa o INEM do seu programa. Por precaução é enviada uma ambulância com todos os meios técnicos de suporte de vida, que pelo caminho apanham Antero e dão-lhe boleia até ao estabelecimento de diversão nocturna, cuja entrada é sujeita a rigorosos critérios de selecção. A fama e o charme nestes locais são tais, que Antero entrou de lado e ao pé coxinho, a casa está cheia e o ambiente ao rubro, muitas mulheres com mais de sessenta anos, de cabelos amarelos, postura formosa e pinturas carregadas, com um pormenor que Antero apreciava…desesperadas, na pista ouve-se Giani Morandi!
Desce os dois degraus que dão acesso à pista, por todas as mulheres que passa faz uma vénia e faz um esforço para não se assustar com as feições de algumas. Estrategicamente, coloca-se num sítio qualquer da pista e baloiça o corpo com um swing próprio de quem não faz ginástica á imenso tempo. Duas semanas antes recusou o convite de uma velha loira, num outro local, para dançarem agarradinhos uma música da Mafalda Veiga, dizendo – “Agradeço o convite, mas não gosto destes rocks puxadinhos!”.
No final da música de Giani Morandi, o DJ Costa Curta, faz uma passagem que faz dele um dos melhores na arte de passar música nas dancetarias do Grande Porto…começa a tocar Vitor Espadinha, o mulherio, quase todas avós, em total devaneio levantam os braços no ar em devoção ao DJ, que nesta noite faz 73 anos. Antero arrisca e mexe-se um pouco mais, fazendo por vezes um movimento sensual com a anca e passando a mão nos cabelos grisalhos, enquanto faz beicinho…uma mosca passa próximo de Antero que com um movimento de cabeça, afasta-a, Mila, uma senhora que estava ao fundo da disco e totalmente desconhecida de Antero, encara como um sinal. Levanta-se e avança na pista, cheia e claustrofóbica, em direcção a Antero.
- Olá! – diz Mila.
Antero, que para se concentrar na sequência anca, mão no cabelo e beicinho, cerra os olhos, abre-os.
- Olá, como está minha senhora? – cumprimenta Antero, educadamente.
- Bem, aliás, muito bem, com o seu chamamento!
- Chamamento?! Desculpe, mas que chamamento? – pergunta Antero.
- Então, o sinal que me fez com a cabeça para vir ter consigo.
Entretanto o DJ Costa Curta faz a passagem para o Quarteto 1111 e ouve-se a canção “El rey Dom Sebastião”.
- Estranho, porque eu não estava a vê-la!
- Então o Sr não fez assim com a cabeça? – e Mila repete o movimento.
- Há, esse movimento! Desculpe, esse movimento não era para si, era para uma mosca!
Após este esclarecimento de Antero, Mila, já com alguma idade, estatela-se no chão, fruto de uma quebra de tensão, mais uma, que lhe provoca desmaios regulares, devido à sua fraca alimentação, quer perder peso depressa e sem recorrer ao concurso “Peso Pesado”.
-Poça, mais uma, elas tombam como tordos, depois não querem que eu seja convencido! – diz Antero baixinho, para si mesmo.
Antero olha para fora da pista e seus olhos buscam Xico Morres, segurança do espaço, quando o avista faz-lhe um sinal com o polegar esticado e virado para baixo. Este sinal combinado entre Antero e os seguranças das casas que frequenta, significa “Mais uma a quem deu uma fraqueza no coração e tombou aos meus pés, por me desejar mais que tudo e capaz de abandonar a casa de campo e as jóias e extremamente necessitada de auxílio técnico apropriado…chamem a ambulância!”
Xico Morres já estava habituado aquele sinal, desde que Antero começou a frequentar o “Arrasta o Pé”! Segurança com 72 anos, desloca-se o mais depressa possível até ao exterior da casa de diversão nocturna, lento, devido a uma zaragata que ocorreu três meses antes entre o Sr Tavares, que sem querer calcou com a sua bengala o Sr Arménio, cuja reacção foi baixar-se de dores e sem intenção deu uma cabeçada no peito do Sr Tavares, que por sua vez, sem querer, projecta um pivô, que cai em cima do pescoço do Sr Arménio, que ao sentir algo no pescoço ergue-se e, mesmo sem querer, dá uma cabeçada nos queixos do Sr Tavares…Xico Morres ao desapartar a zaragata, dá um jeito na coluna e ganha uma hérnia discal, ainda hoje mexe-se vergado e devagar e relembra “Pareciam dois galos pegados…completamente loucos!”
Chegado ao exterior, Tito Morres faz sinal com o polegar esticado e virado para baixo, aos paramédicos da ambulância do INEM. Estes imediatamente percebem a mensagem e vão em auxílio da nova presa de Antero, que é transportada para o hospital…

sábado, 10 de agosto de 2013

Sou portuguesinho!

Ainda o nosso primeiro rei não era rei e já conquistava território para sul, quando num determinado momento iniciou a conquista da Galiza, movido, não por um qualquer interesse estratégico maior, mas porque a sua mãe andava “metida” com um nobre galego da poderosa família Trava. Após um desaire militar contra os Mouros em Leiria, D. Afonso Henriques desistiu das pretensões a norte e concentrou o seu esforço militar para sul!
Independentemente do sentido da conquista, nasceu Portugal, o país mais à esquerda da Europa!
Com os Descobrimentos chegámos ao Brasil. Enquanto os espanhóis nos seus territórios da América, com violência impunham-se aos povos nativos, nós estávamos mais interessados no amor e em dar alguma paz.
No seguimento dos Descobrimentos na Costa de África e Ásia, em vez de malfeitorias, criámos Feitorias e o grande poeta Luís Vaz de Camões ao eternizar a epopeia portuguesa fê-la em “dez cantos” em vez de “dez centros”…nunca gostámos de dar nas vistas, com excepção dos imigrantes no mês de agosto!

Somos por natureza histórica, emocionais, um pouco românticos e …inhos!

O despertador toca. São sete da manhã e ainda vai tocar mais uma vez, às sete e um quarto. Estes dois toquezinhos do despertador são, felizmente, os meus únicos momentos de ódio ao mundo, depois, salto da cama e preparo-me para o mundo “inho”!
Quando chego ao local de trabalho, a primeira pessoa que vejo é a Dona Rosa, que faço questão de cumprimentar, não só porque mantém a minha secretária limpa, mas após o meu “Bom dia”, responde-me, ainda hoje, “Bom dia, menino…” seguindo-se sempre o desabafo de uma tragédia pessoal e termina sempre com o reconfortante “Haja trabalhinho!”.
Já sentado na minha secretária ouço: - Bom dia, Calheirinhos!
Olho para a placa afixada no meu local de trabalho e vejo escrito “José Calheiros”, de seguida desvio o olhar na direcção da voz e vejo a minha colega Teresa.
- Olá Teresinha! – Respondi em concordância, não fosse eu passar por mal disposto.
Ainda o computador está a “ressuscitar” e o meu caro colega António, já me está a convidar para no fim do trabalho irmos beber uma cervejinha. Sempre que o convite é para uma cervejinha, o próprio António sai do café “tocado” pelas várias cervejas que bebe!
Ah, já ligou! Estou a escrever a password e toca o telefone. O número não me é estranho, mas não é das minhas relações laborais…é a minha mãe.
- Logo vens comer cá a casa?! – Pergunta como que a relembrar que é sexta-feira, dia de juntar a família.
- Claro! Todas as sextas e segundas! – Respondo, sorrindo.
- Já telefonei ao teu irmão, a perguntar se ele quer carninha ou peixinho. – Diz-me.
- E ele, o que é que escolheu?
- Ele quer peixinho. E tu? – Pergunta-me.
- Pode ser peixe, também!
- O quê???
- Peixinho! Eu quero peixinho, mamã!
Após desligar o telefone, tinha que me despachar, faltam cinco minutos para uma reunião com o Carlinhos, 1,83 metros e 143 quilos. O Carlinhos é muito boa pessoa e para não ferir susceptibilidades, costumo dizer que ele está forte, um verdadeiro atleta, mas ontem num vislumbre de realismo, diz-me, “Estou gordinho”, enquanto penso para mim, “Carlinhos, tu estás um pote!”.
O resto do dia de trabalho foi passado a tentar fintar, sem sucesso, “inhos” e “inhas”. No final lembro-me que tenho que ir às compras e informo o António que não posso ir beber uma cervejinha com ele. – Que peninha! – Responde-me.
Depois da rusga pelas prateleiras do hipermercado, apresento-me na caixa para pagar.
- Tem cartãozinho da loja? – Pergunta-me a senhora da caixa.
- Ah, o cartão! – E passo-o à empregada.
- Este cartão parece mesmo o cartãozinho! – Exclama a senhora da caixa.
- E é! Esse cartão é o cartãozinho.
Após o esclarecimento e pagamento saio da superfície comercial com alguma pressa. Atrás de mim vem a correr um promotor que me apanha a entrar no carro:
 - Tem um minutinho? – Pergunta-me com um sorriso luminoso.
Este senhor pregou-me uma “seca” de meia horinha!
Chego tarde a casa dos meus pais para jantar. Olho para a mesa e não vejo o peixinho.
- Olha, não consegui ir à peixaria, por isso fiz carninha! – Explica-se a minha mãe.
- Não há problema mamã! Pior era se fosse carne ou peixe! – Respondo-lhe
No final da noite, como sempre, despedimo-nos com beijinhos!

Não me importo de ser um país à esquerda (geograficamente), que a epopeia da nossa história esteja escrita em cantos e que tenhamos resquícios de pequenez no falar.
Melhor do que falar com sotaque brasileiro, um dialecto africano ou pronúncia de leste.

sábado, 3 de agosto de 2013

Daniel, o vampiro (parte II).

Foi por mero acaso que eu e o António encontrámos o Daniel, já que quando foi eleito Presidente da Junta deixou o seu emprego e assim perdemos um bom colega e a sua freguesia ganhou outro político.
Corrosivo e directo o António pergunta:
- Então Sr. Engenheiro, tens feito o que prometeste?
- Tudo, tenho cumprido com tudo, António! – Responde o Daniel firme como uma rocha e prossegue:
 – Agora sou o Sr. Doutor, se não te importares!
- Mostra-me as tuas veias! – ordena o António.
Daniel levanta a manga da camisa e o seu braço está todo picado.
Desde que foi eleito, as hemodiálises políticas (troca de sangue bom por sangue corrupto) passaram de quinzenais para semanais, tornando o Daniel comparável a um dinossauro autárquico, em cara de pau e pouco amigo da verdade.
Políticos como o Daniel, que não são genuinamente malandros, mas sujeitos a estas hemodiálises por parte do aparelho partidário, têm todos um ponto fraco. Da mesma forma que os vampiros fogem da cruz ou se escondem da luz do dia, Daniel tem pavor e evita os pombos a todo custo. Estas aves amorosas, que confundem o meu carro com uma sanita, são dotadas de uma especial sensibilidade para detectar políticos vampiros e quando os sentem próximos arrulham constantemente, até estes se afastarem: “Cucurruuuuuupto, Cucurruuuuuupto, Cucurruuuuuupto, Cucurruuuuuupto,…”!
Desde que fez a primeira hemodiálise política, Daniel evita parques e praças, e sempre que, por obrigação, se desloca a estes locais públicos e cheios de pombalhada, não dispensa segurança reforçada, armada de fisgas para afastar os pombos!
Atento aos sinais das aves, o eleitorado vai interpelando o Sr. Presidente da Junta sempre que pode, e certo dia, os 100 metros percorridos a pé, de casa até à Sede da Junta, revelam o sangue que corre em Daniel quando este é interpelado pela Dona Albertina:
- Oh Sr. Presidente, o senhor disse que a primeira coisa que ia fazer na freguesia era uma piscina…e nada! É que nem as obras começaram!
- Dona Albertina, a senhora anda desatenta! A piscina na freguesia já está feita… é na minha casa! – responde o Daniel, com um sorriso na boca.
- Mas pensei que era pública! – exclama a senhora.
- E é! – contra exclama o Sr Presidente.
- Então posso ir para lá com o meu netinho?! – pergunta a Dona Albertina, entusiasmada com a ideia.
- Não, Dona Albertina, eu e a minha família prezamos muito o recato do nosso lar! O que é publico é poderem ver a piscina. Se a senhora e o seu netinho quiserem vê-la, põem-se em cima da lomba que mandei fazer em frente a minha casa, para os carros passarem mais devagar, e vê-se perfeitamente!
- E o jardim exótico que ia construir?! – quis saber a Dona Albertina.
- Mais uma promessa cumprida, comigo é assim.
- E aonde é que está?! – quis saber a querida senhora.
- Na frente da minha casa tenho a piscina, nas traseiras, tenho o jardim! – clarifica o Daniel
- E é publico? Para ir passear com o meu netinho?
- É…a vista! Também se vê muito bem as copas das árvores em cima da lomba!...É que eles passavam muito depressa em frente a minha casa, percebe?! Tenha uma boa tarde Dona Albertina
Um pouco mais à frente Daniel encontra o Cajó, um jovem com problemas de rendimento escolar detectado na pré-escola, mas avispado com as miúdas.
- Oh Sr. Presidente, quando é que põe net grátis na Junta, para nós irmos para lá, como prometeu?
- Pois é jovem, mas já temos net! – responde o Daniel.
- Na Junta?!!! – pergunta o Cajó.
- Não, meu jovem! Mandei instalar provisoriamente, em fase de teste, em minha casa durante o meu mandato!
- Então posso ir para sua casa? – pergunta Cajó, entusiasmado.
- Hummmm, é melhor não! Até mais logo meu jovem, és o futuro da freguesia! – despede-se o Daniel.
Quase a meter o pé no edifício da Junta, o Presidente é interpelado pelo Sr. Augusto, um reformado de 67 anos:
- Bom dia Sr. Presidente! Estamos a um mês da colónia para a terceira idade na praia de Labruge. Vai-me fazer bem, estou a precisar de apanhar sol! – diz entusiasmado.
Esta foi talvez a promessa eleitoral mais valiosa em campanha, que agarrou o voto da terceira idade, com o apoio do padre da paróquia. Sendo o Sr. Augusto uma pessoa respeitável que vive a sua própria vida e avesso a tagarelices, Daniel vê nele a pessoa certa para desabafar:
- Sr. Augusto, essa promessa não vou poder cumprir! O dinheiro destinado para a colónia investi-o numas férias paradisíacas com a minha mulher! Estamos a passar uma fase má, e estas férias maravilhosas vão acalmar o casamento! Compreende, não compreende?
O Sr. Augusto afasta-se sem lhe responder e nunca mais lhe dirigiu a palavra.
O tempo foi passando e as obras na freguesia iam sendo feitas, apesar de ninguém as ver…até àquele momento!
Na última hemodiálise política, por negligência trocaram o lote de sangue, tendo sido usado o que lhe foi retirado na primeira. Aos poucos o seu sangue foi-se “honestizando” e ele foi-se apercebendo de todo o mal que fez e de todo o bem que não fez!

Foi entregar-se à GNR, sem evitar atravessar a praça da freguesia, cheia de pombos, de cabeça erguida!