domingo, 20 de dezembro de 2015

Donos da razão

- O Pai Natal, não existe. – diz-me arrogante como se eu fosse burro.
- Existe, existe! – respondo, incrédulo.
- Tu é que és burro! – diz-me aquele pirralho.
- Não! Tu é que és burro.
- Tu é que és!Seu nabo!
- Se eu sou nabo, tu és burro e nabo!
Enquanto nos gladiávamos com palavras, os corpos iam-se aproximando.
- Tu é que és burro e nabo!
- Seu burr…
E os corpos encostam-se e a gadulha começa!
Em criança era assim que no recreio da escola, decidíamos quem tinha razão. Sem a arte do argumento, quem tinha razão era o mais forte, ou mais gordo…eu nesse tempo tinha a vantagem do peso sobre os outros meninos e quase sempre tinha razão, como nesse dia! O Miguel, ao sentir os meus quilos de chicha, voltou a acreditar no Pai Natal.
Apesar de ser por volta dessa altura que começámos a ter as nossas tendências profissionais, e a escolha recaía, invariavelmente, sobre ser piloto de rallies, jogador da bola, polícia, bombeiro, eu cá queria ser alpinista, fruto do encanto de um programa que dava aos sábados à tarde, que se chamava “A conquista do Everest” e conheci um miúdo que queria ser palhaço, mas o que todos inconscientemente queríamos era simplesmente...ter razão!
Era de prever que com o tempo, o caminho estreito e correcto para a busca da razão fosse encontrado…mas ao que parece, continua desconhecido. Para o Miguel isso pouco importa porque aquela lição na primária fez-lhe encontrar a ilusão de ter razão, não defendendo nada, apenas descredibilizando os outros…é agora um importante líder parlamentar e continua a acreditar no Pai Natal!
Mas passados muitos anos, eu e uma grande maioria, que já não acreditamos no Pai Natal, continuamos a rondar a Razão, usando fórmulas, quase ou tão infantis como as usadas em criança. Há quem A puxe para si, falando mais alto e por cima dos outros ou quem os diminua nas suas capacidades físicas (esta é a minha fórmula preferida e ontem fiz uso dela).
Estava num jogo de bola e vendo o caso mal parado, quando sofro uma falta a meio-campo, peço penalty. Perante a gargalhada do adversário, chamei-os de cegos…e convenci-os disso! O penalty foi marcado mas, com razão, fiquei chateado com a falta de seriedade do adversário.
Para me animar, um amigo de equipa, diz-me, “No fim, vou levar-te a um sítio!”.
Arrancámos e andámos muito, não sei o nome do local, mas era bem longe da Trofa e completamente estranho. À entrada do edifício, por cima da porta, uma faixa com a inscrição “Speed Dating com a Razão”, que não deixava dúvidas de que não estava num restaurante…que pena, estava cheio de fome. Entro e rapidamente me apercebo de que a sala está cheia, vou passando os olhos pelas caras e conheço muitas delas, principalmente do Facebook, que se indignam ferozmente nas redes sociais com qualquer contrariedade como se isso lhes valesse a Razão…deixei-me estar num cantinho.
Os encontros, apesar de rápidos, fizeram-me esperar muito tempo. Fui o último a entrar na sala onde iria ter a minha hipótese com a Razão. Sentei-me e Ela olhava para mim sem nenhum tipo de cansaço na expressão, ao contrário de mim, e olhava-me serena e firme. Tentei disfarçar a insegurança e lancei um olhar sensual, treinado em casa desde há muito tempo, e uma posse igualmente fabricada, cujo binómio julgo irresistível! Ela fez um sorriso triste, apercebendo-se da falsidade da pose, que de seguida fechou e de expressão imóvel cai-lhe uma lágrima pelo rosto. Percebi que aquela lágrima não era por mim, mas por todos que lá passaram, e não A conseguiram seduzir!
Saio da sala e ao fechar a porta, volto a olhá-La e vejo-A abraçada à Racionalidade.

Vim embora a pensar se os outros teriam visto o mesmo que eu!

domingo, 13 de dezembro de 2015

Adivinhação

Apesar de nunca me ter sentido apto a “capacidades do Além” e de nunca arriscar, durante anos, dizer que sim, quando me perguntavam se achava que o meu clube ia ganhar (sou sportinguista), há muito boa gente, e quando digo boa gente, é-o mesmo, que num toque de “eu sou mesmo interessante”, tenta prever “o que vem a seguir”, como se lhes conferisse um toque de sofisticação e inteligência!
Também assim o fui, em criança, quando teimava em terminar as frases da minha professora Maria Luísa:
- Está na hora... – e cortando-lhe a frase, completava.
- ...Do recreio. – e sorria para ela.
- Isso mesmo Zé! Muito bem! – respondia-me, paciente.
E os meus olhos atravessavam o resto da turma com um sorriso, como que dizendo, “Eu é que sou fino”.
Mudei sem saber se melhorei e comecei a deixar as pessoas falar até ao fim, e de extraordinário...bem, a minha mãe, sem eu saber porquê, está convencida e pensa que me convenceu, de que sou muito bom a escolher melões, sem olhar para o seu interior, e dizer se estão bons ou não! Nunca desmenti tal incapacidade e agora não tenho coragem para lhe revelar a verdade!
Hoje à tarde:
- Ò pá, eu tinha a bola nos pés, finto um, finto outro, driblo o guarda-redes...
- E marcas-te um grande golo!
- Não, pá! Não sei como, mas torci o pé e chutei a bola ao lado! O jogo parou e eu não conseguia jogar...
- E a tua equipa jogou com menos um. Que chatice!
- Não! Fui para a baliza. Agora, tenho que ter paciência, a andar dói-me...
- Muito, dói-te muito. É natural!
- Pouco. Dói-me pouco. Mas amanhã já...
- Vais ao massagista. Fazes bem, se quiseres indico-te um muito bom que...
- AMANHÃ, vou jogar outra vez. Vou ligar bem o pé e vou JOGAR OUTRA VEZ. – respondo ao meu bom conhecido em tom “viçoso”, recuperando a característica de criança, quando terminava as frases da minha professora, sem ela ter pedido.
- Pronto, está bem, mas deixa-me terminar! – diz-me o meu bom conhecido, incomodado pela interrupção - Se precisares conheço um massagista muito bom e não leva caro. E então, amanhã vais jogar com quem?
- Olha! Vou jogar com o Nando...
- Ele joga bem, não joga?
- Nem por isso! É um marreta. Também joga o Sequeira...
- O Sequeira é um bocado marreta, não é?!
- Não. O Sequeira joga bem! Também joga o meu irmão...
E desta vez não sou interrompido pelo bom conhecido, mas pelo toque do telefone.
- É uma admiradora? – pergunta-me, sem ter acertado, mais uma vez!
“Só me restam saudades”, pensei, e respondi-lhe – É a minha mãe. Espera um bocadinho, vou atender.
Após o telefonema.
- Ó Meireles, tenho que ir. A minha mãe...
- Tens que ir buscá-la. Fazes bem, Mãe só há uma!
- Não pá! Pediu-me para ir ter com ela à frutaria para escolher dois melões!

domingo, 6 de dezembro de 2015

Dependências

Suzy, de 36 anos, sempre de hábitos simples, nunca teve nenhuma dependência. Em miúda, um dia o pai perguntou-lhe: – Filha, queres uma carteira de cromos da “Candy”?
- Não meu pai! Eu bem vejo como estão as minhas amigas, drógadas pelos cromos!
Esta simplicidade, desprendida de vícios, que sempre pautou a vida de Suzy, acabaria por mudar, quando há três anos atrás comenta com uma colega da confecção - Ninguém gosta de mim!
- Suzy, “gostar” é tão parolo como a saia travada com folhos que usas! O que interessa são os “likes”! – responde a colega de Suzy, com a mão em posição de quem pede boleia.
Depois de devidamente instruída, dois dias após, Suzy já tem um computador pessoal, uma conta aberta no Facebook e três saias novas, mandadas fazer numa modista amiga dela, muito jeitosa. Ao fim de 5 meses, já tem 4136 amigos, dos quais, pessoalmente, apenas conhece a colega de confecção, e 7 seguidores.
São 7 horas da manhã, o despertador toca. Estremunhada, Suzy acorda e abre o computador, com o qual dorme, pousado a seu lado. No Facebook “posta”: “Ui, ui, que soninho! Lol”.
Espera ansiosa, antes de sair da cama, por um “like”…que acontece ao fim de 15 minutos e que lhe soube melhor do que um café! Pincha da cama, lava os dentes sem ter tomado o pequeno-almoço, pelo atraso do “like”. Entra no carro, arranca e pára 50 metros à frente porque se esqueceu de colocar o cinto. Antes de o colocar, através do telemóvel, “posta” no Facebook: “Helloooo, arranquei sem pôr o cinto! ;-)”. Ao fim de 34 minutos recebe o primeiro “like” e de seguida um segundo…Animada, coloca o cinto e arranca.
Suzy chega atrasada à confecção. Antes de “picar” para dar início ao trabalho, “posta” novamente no Face: “Migos e migas, estou triste. Por mais cedo que me levante, nunca chego a horas ao trabalho! ”. Recebe novo “like” ao fim de 20 minutos, dando-lhe força para “picar” e avançar firme, com mais 20 minutos de atraso, para a sua “corta e cose” Siemens.
O resto do dia segue de forma costumeira, com “posts” frequentes e a espera ansiosa por um “like”.
À noite, no regresso a casa, tem um furo no pneu. Animadita, “posta” no Face: “Que chatice, tive o meu primeiro furo!”
Nesse momento, Guedes, mecânico e amigo facebookiano, distraidamente, faz “like”, enquanto passa, a pé, por Suzy, que se mantém de olhos postos no telemóvel. Estão alheios à existência um do outro!
Suzy chega a casa. O cansaço é superior à fome e decide por isso deitar-se, mas não sem antes partilhar com o mundo: “Mudei um pneu, estou cansada e vou dormir!”
Antes de “mergulhar” na cama, Suzy, espera pelo consentimento supremo de um “like” de um desconhecido qualquer, feito amigo, ao alcance de um click!
Passa uma hora, duas, ninguém responde…são cinco da manhã. Suzy desespera, em pé, ao lado da cama pelo primeiro “like”, para se deixar tombar…Seis da manhã, sete… e o despertador toca sem que Suzy se tenha deitado!
Em vez de tomar o caminho do trabalho, Suzy segue directa para o psiquiatra.
Exausta, explica a razão de uma noite sem dormir. Dada a gravidade da situação, o médico faz um pedido de amizade a Suzy e receita-lhe:
- Menina Suzy, quando chegar a casa, aceite o meu pedido de amizade! Iniciado o tratamento, faço imediatamente dez “likes” na sua página, para poder dormir. A partir de amanhã, os “likes” serão de 8 em 8 horas, se não for suficiente aumentamos a dose para “likes” de 6 em 6.

Pior do que perder uma Nação é perder a soberania individual!

domingo, 29 de novembro de 2015

Quase...quase

Leopoldina, nascida nos anos 50’s, quase nova, com a marca de “solteira” gravada pelo destino cruel que levou a sua grande paixão, o Lima, que deixou de escrever as lindas cartas de amor, que mesmo sem se conhecerem a cativou com as palavras doces, confessou à sua melhor amiga:
- Estou a viver um grande amor! Ele chama-se Lima. Não tarda vou casar!
- Quem?!  - pergunta a amiga, que com a Leopoldina partilha as mesmas amizades e pessoas conhecidas.
- É um rapaz que não conheço, que gosta de mim e carinhosamente me trata por Gustinha! – responde, tentando esconder o sorriso na timidez.
As cartas deixaram de aparecer, quando o Silva, carteiro das 8 às 16, de segunda a sexta e alcoólico de segunda a domingo, desde que acorda até se deitar foi despedido, e as cartas de Lima com destino à caixa de correio de Gusta, passaram a ser entregues no destinatário correcto.
Por alturas de Novembro, mês em que o Silva festeja a última bebedeira paga com o ordenado dos CTT e Leopoldina recebeu, por engano, a última carta, relembra ano após ano, que quase casou e festeja soltando um suspiro seguido de um “ai, ai!”.
Juntou quase uma fortuna, desde que recebeu a primeira carta de Lima, depois de Silva ter bebido três cervejas a acompanhar um café com cheirinho, até à última, para o arranque da vida de casada. 
Desde há quarenta anos, faz todos os dias úteis o mesmo percurso, a pé, para o local de trabalho. De tanta ida e volta, os sapatos rasos de Leopoldina estão marcados no passeio e todos respeitam estas marcas como se fossem uma passadeira válida apenas para ela.
Durante o tempo que passou entre as três cervejas a acompanhar um café com cheirinho e o despedimento de Silva, Leopoldina fazia este trajecto em passo acelerado e quase ficou em forma para o Lima...queria usar na noite de lua-de-mel um cuecão reduzido!
Sempre trabalhou no notário da terra (apesar de quase ter sido decoradora, o seu sonho, quando viu um anúncio no jornal) e há tanto tempo, que sente que foi prometida, pela mãe, para aquele trabalho. “Ainda bem!”, relembra-se amiúde. Caso tivesse sido prometida ao filho de um casal qualquer, nunca teria vivido a grande estória de amor.
Como quase foi mãe, caso tirasse o cuecão reduzido na lua-de-mel se o Silva não tivesse sido despedido, sente-se por isso abençoada e com jeito para as crianças. Sempre que um casal amigo quer passar um serão romântico, na cervejaria “Albuquerque” a comer uma francezinha e a beber uma cerveja, ela oferece-se para tomar conta das crianças.

Nestes serões com as crianças, gosta de falar de si, elas ouvem atentas, e pacientes, escutam a vida quase feliz de Leopoldina!

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Liberdades

Félix, assina, como no bilhete de identidade, Felix Da Silva De Pereira e é conhecido em casa por pai e “óme”, mas é mais conhecido entre os amigos por Félix e mais conhecido entre os conhecidos por Félix. Quando conhece alguém apresenta-se como Félix Da Silva e entre quem não o conhece é conhecido por “aquele gajo, pá!”.
Em Março de 1974 fez quatro anos de casado, cerimónia que aconteceu em 1970, após a chegada de uma missão de dois anos e meio no norte de Moçambique, onde fez amizades de sangue que nunca esqueceu. Nesses quatro anos de alguma felicidade teve quatro filhos da mulher, a quem os pais puseram o nome de “Maria”, porque desejavam que a filha fosse um exemplo de mulher, como a mãe de Cristo, e “do Céu”, porque a mãe, devota seguidora do padre da aldeia, gostava de uma passagem da homilia, em que se faz referência à “Glória ao Céu”.
Com quatro gravidezes e actividade física restringida às lides domésticas e a tratar dos filhos e do “home”, o corpo de Maria do Céu tornou-se desinteressante (sem nunca o ter sido) aos olhos de Félix. O casamento pela igreja e a “vergonha” não davam coragem a Félix para deixar a mulher, apesar de ele ter a certeza que era isso que queria nos festejos do  quarto aniversário. Precisava de uma reviravolta na sua vida!
Um mês depois aconteceu uma reviravolta ao país, através de um golpe de estado, com o objectivo (aparente) de Democratizar, Descolonizar e Desenvolver.
Félix Da Silva De Pereira não era muito inteligente, mas não se deixava ir pelas “ondas como os cardumes” e apercebeu-se que o “Democratizar” aconteceu por um triz, visto que alguns (talvez a maioria) capitães de Abril queriam acabar com uma Ditadura de Direita e impor outra, tornando Portugal um país satélite da União Soviética; o “Descolonizar” foi apressado, fazendo 500.000 portugueses voltar à metrópole, sem nada, e deixando as ex-colónias entregues a facções armadas e a população africana desprotegida; e o “Desenvolver”, através de uma reforma agrária medieval!
- Isto eu não festejo! – Pensou Félix, ainda longe de imaginar o que esperava o país, a nossa “classe política”.
Mas graças ao 25, Félix festejou os dias 26, 29 e 30, datas correspondentes aos seus 3D’s de Abril.
Festeja o “Divertir”, a 26 de Abril. Sem medo junta-se com os amigos na mesa do café ou na rua e expressa as suas opiniões e no fim vai para casa em vez de ser preso…não imaginava que fosse tão animado falar sem ser em surdina e a espreitar por cima do ombro!
A 29 de Abril festeja o “Divorciar”. Foi neste dia de 1974, que chega a casa com os papéis para o divórcio e encontra a mulher de mini-saia, a mostrar as “carnes” e a fumar SG Gigante e com uns papéis de divórcio, também na mão. Foi um espanto para ele…sempre pensou que Maria do Céu fosse feliz, a cozinhar, a limpar, a “apanhar” de vez em quando e a cuidar dos filhos e dele!
No dia 30 terminam os festejos de Abril, com o último “D” de “(en)Dividar”, o maior rasgo de desenvolvimento e modernidade português.
Neste dia de 74, Félix foi ao banco onde trabalha o amigo Tone e pergunta-lhe pelo estado da “conta”.
- Não tens dinheiro…mas também não deves nada a ninguém! – esclarece Tone.
- Está mal! – Responde Félix, continuando – Dá-me um crédito qualquer que me crie dívida.
Ao longo dos anos, Tone deu-lhe créditos para tudo, tornando Félix numa personalidade fiscal falida, mas moderna!


Nos festejos dos quarenta e um anos dos 3D’s de Félix, este foi obrigado a festejar o “dia da liberdade”, o 25, de cravo na lapela pela PDPC-DGS (Polícia do Politicamente Correcto-…)…mas o “D” de “Democratizar” vai festejar às escondidas desta, ao celebrar os quarenta anos do 25 de Novembro de 1975.

domingo, 22 de novembro de 2015

Sujeição

Quase tudo se sujeita a algo! A intenção à pontuação, as palavras à expressão, o corpo à alimentação, as árvores ao vento (e o meu penteado, também), a beleza aos olhos de alguém, o comportamento às leis (e o fora de jogo, também), a História a quem a escreve, a postura à aceitação (a não ser que sejas o dono da bola), o apetite à fome, a corrente ao declive, os olhos à luminosidade, as rugas ao sorriso e ao choro (e aos cremes, também), a felicidade a ti (e a tristeza, às vezes, também), a vitória ao adversário (ganho sempre, se perdi, esqueci!), a saudade a quem está ausente, o caminhar à vontade, o trabalho à necessidade, a Natureza ao Homem (ontem transplantei oito gardénias), a espécie extinta à vaidade (menos o tamagochi?!),...
Quase tudo é subjectivo, sujeita-se a algo! E como costuma dizer um amigo meu, do alto da sua sabedoria, quando alguém opina sobre qualquer coisa, “Depende!”.
Para ele quase tudo “Depende” e facilmente é confundido como “gente sem opinião”. Mas é dos raros com o dom de “desacelerar” e pensar. Facilmente chega à conclusão que as poucas certezas que tem são as da matemática e os resultados que as contas de “mais”, de “menos”, de “dividir” e de “vezes”, lhe dão.
Sem hesitar diz que “2+2”, são “4” e quando alguém fica a pensar com dúvidas sobre o resultado de “8x7”, de postura rija e cheio de autoridade, responde, “56”.

Tudo se sujeita a algo! Até a matemática a algumas teorias, o Manel sempre à Maria, o papel à mão que escreve, o convívio aos amigos (e ao copo de vinho), o José ao Calheiros (senão era outro), o livro ao leitor, o pavão à apreciação (da pavoa!), a velocidade ao limite (no meu caso ao limite inferior),..., e todos nós à comparação (para a minha mãe sou o melhor).
Tudo é subjectivo, sujeita-se a algo! E como costuma dizer um amigo meu, do alto da sua sabedoria, quando alguém opina sobre qualquer coisa, “Depende!”.
Para ele tudo “Depende” e facilmente é confundido como “gente sem opinião”. Mas é dos raros com o dom de “desacelerar” e pensar. Facilmente chega à conclusão que certezas não tem nenhuma, nem quando fala das contas de “mais”, de “menos”, de “dividir” e de “vezes”, da matemática.
Para ele “2 e 2”, não são “4” e quando alguém fica a pensar com dúvidas sobre o resultado de “8 e 7”, de postura rija, responde, “Depende do sinal que puseres entre os números”.


Não existe uma realidade, mas tantas quantas pessoas existem! Quem tem razão? Depende!

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Massificação

Tinha o sonho de ser um comando, daqueles que destroem exércitos inteiros…até ir para aquela escola! Nessa escola fiz dois amigos para a vida inteira, o António, que queria ser palhaço, e o Joaquim, que queria ser girafa no Jardim Zoológico (apesar  da baixa estatura, ele tinha muito jeito para imitar as girafas).
No primeiro momento dentro da sala de aulas, a professora, de farda cinzenta, sem maquilhagem e traços rudes, que quase se confundia com um homem, disse-nos:
- Se tendes sonhos, é melhor secá-los. Ides ser todos iguais.
Durante os anos foi-nos ensinada a imoralidade da individualidade, de ter sonhos e de alcançá-los. Impuseram-nos uma felicidade baseada no medo do sucesso (fosse material ou não).
Apesar do meu sonho de menino, aquelas primeiras palavras de há sessenta anos atrás foram um consolo! Como fiquei com medo de ser bem-sucedido, deram-me a mim e aos outros, naquela escola, o conforto da mediocridade.
Nunca ninguém se destacou, nem o que estudava e tirava boas notas, nem os calaceiros (aquilo em que me tornei), com as suas notas suf -.
Não havia mais bonitos e mais arranjados, o pentiadinho tinha o mesmo sem brilho que aqueles que não tomavam banho.
Disse à minha mãe que não precisava de comprar mais perfume, nem pentes para me aprumar logo pela manhã! Por isso e com o passar do tempo, de mais bonito, passei a ser mais um, que namorou com mais uma…e deixámos de ter nome e uma imagem, mas deram-nos uma farda e ficámos todos iguais. Com dificuldade distinguia a rapariga de quem gostava, quando estava junta com as amigas! Ainda hoje tenho dúvidas se a miúda a quem pedi em casamento e hoje é mãe dos meus cinco filhos é a rapariga de quem gostava! Mas também não faz mal, eram todas muito parecidas e interessantes da mesma maneira. As conversas que tinha com uma ou com outra ou até com outro eram todas iguais. Pensávamos o mesmo sobre os mesmos assuntos, tanto naquilo com que concordávamos, como naquilo que nos indignava ou aquilo a que simplesmente encolhíamos os ombros, tudo aprendido do mesmo manual e ensinado pela mesma professora! Não sei o que é discordar dos meus camaradas, denominação ensinada na escola, e nunca discuti com a minha mulher…apesar das dúvidas que ainda tenho sobre ela ser a certa!
Para matar saudades e tentar confirmar quem é aquela que tenho em casa, por vezes olho para uma fotografia de grupo tirada naquele tempo, salvo erro no quarto ano, todos simples, como se quer, apesar de um simplório destoar, o mesmo corte de cabelo, a mesma expressão zangada (aprendida nesse ano) e cinzenta (aprendemos a não sorrir no terceiro ano). Não distingo ninguém, aliás minto, vejo um de nós a esticar o pescoço, e aposto que é o Joaquim, que no seu íntimo nunca deixou de querer ser girafa…era um rebelde. Partilhávamos o mesmo quarto e durante a noite ele ousava sonhar com cores, quando, ainda no primeiro ano, aprendemos a sonhar entre o cinzento e o preto.

O que no início me assustou e depois me consolou, foi que o “MAIS” valia o mesmo que o “MENOS”!

domingo, 11 de outubro de 2015

Adélio Dani (20º episódio)

...
Nasce um novo dia em Campanhã, Adélio cada dia que passa está mais seguro que o dia nasce também para todo o país.

Dália já saiu para o mercado sem a preocupação do arranjo floral enquanto Adélio está na casa de banho a fazer chichi, para depois voltar para a cama. A meio da manhã acorda e toma um pequeno-almoço vigoroso, para o último dia de colagem de cartazes: um copo de leite e um pão, que seria com manteiga se ela não tivesse acabado no dia anterior.
Nesse dia, a sua acção seria bastante selectiva, estilo sniper, colaria cartazes apenas aonde ainda houvesse cartazes dos adversários à vista. Quanto aos líderes do SP-CPVT, inovaram, e em vez da tradicional campanha de feira, optaram pela campanha de esplanada, sentadinhos e com cervejola na mão…ou copo de leite morninho.
Chega a meia-noite e o fim de campanha. A cúpula do partido e o seu militante tinham combinado reunirem-se na tabacaria do Viriato. Enquanto não estão todos reunidos, os presentes vão fumando e vendo revistas porno e riem-se com algumas posições acrobáticas dignas de “circo”.
O último a chegar é Adélio, que colou a última metade do último cartaz dois segundos depois da meia-noite, sendo apanhado em incumprimento por um dos inspectores de campanha e que perante os regulamentos, Adélio pode sofrer, à sua escolha, uma de três advertências, a saber: Primeira - pagar uma multa ou subornar o inspector; segunda - pagar uma coima ou subornar o inspector; terceira – se tiveres uma irmã boa, apresenta-a ao inspector, se não tiveres, pagas uma multa e uma coima ou subornas o inspector, hoje e amanhã.
Adélio escolheu a terceira opção e tem dezoito anos para a pagar. Torna-se desta forma ainda mais urgente libertar o pai da “colcha rendada espiritual”, juntá-lo com a mãe e esperar que esta prenhe de uma menina!
Adélio chega à tabacaria a correr, às 00:30 horas. Está tudo muito alegre, menos João Inseguro que está a ressacar pela falta de um copo de leite morninho. Viriato, na sua tabacaria só vende bens de consumo para homens. Mais de metade da sua clientela já morreu de cancros diversos e cirrose…a venda de leite está proibida!
- Chegou o homem! Adélio, não percas o lanço e vai depressa à bomba comprar um litro de leite! – Diz Pietra Anda Lebre.
Sem parar, Adélio dá meia volta e corre em direção à bomba de gasolina mais próxima. Pelo caminho pensava: “Como é que vou fazer? Não tenho dinheiro e roubar não roubo!”.
Inexplicavelmente, Adélio cruza-se por um biberão cheio de leite e morninho e grita: – “Que sorte!”.
Dá meia volta e regressa à tabacaria. Quando chega:
 - Depressa, dá-me isso! – Diz Pietra Anda Lebre e enfia o biberão na boca de João Inseguro, que já revirava os olhos.
Após a recuperação de Inseguro, juntam-se à volta de uma mesa. Combinam, sem consenso, quem representaria o partido na mesa de voto no domingo, dia de eleição. Não que não quisessem estar presentes, mas ninguém queria ter que se levantar tão cedo, pois todos tinham “cenas” combinadas para sábado à noite. Jerónimo Setúbal relembra os fundamentos de esquerda, massificadores e com pouco respeito pela individualidade do SP-CPVT e propõe: – Vamos todos para a mesa de voto!
A moer, os restantes concordam!

Chega o domingo, dia de eleições. São sete da manhã. Adélio está a fazer chichi para voltar para a cama e os líderes partidários do SP-CPVT estão a acordar para se apresentarem na mesa de voto colocada na Escola Primária de Campanhã, que abre às 8 horas. Às 07:40 todos os líderes do SP-CPVT estão à porta da escola.
- Preparados, camaradas? – Pergunta Jerónimo Setúbal.
- Hum! – responde Pietra Anda Lebre.
- Eu ainda não tomei o meu leitinho! – Diz João Inseguro, amuadinho.
- Eu vi na televisão que o tempo para hoje vai estar muito bom! – Diz Joaquim Portão.
- E se nós, como verdadeiros defensores da ideologia de esquerda do nosso partido, fôssemos todos a reboque uns dos outros para a praia… que eu quero?!
- Boa ideia! E quem representa o partido? – Pergunta Jerónimo Setúbal.
- O Adélio. Ele é colher para toda a massa do partido.
- Boa, bem visto! – Apoia José Inseguro, e prossegue: – A caminho da praia, podemos parar para tomar o pequeno-almoço?
Põem-se a caminho da casa de Adélio, de onde o carregam e o levam para a mesa de voto e onde lhe explicam que vai representar o partido. Chegam à Escola Primária de Campanhã às 08:30, deixam o Adélio e arrancam para a praia de Moreiró, em Labruge.
Adélio entra na sala onde vai decorrer a votação e reconhece os representantes dos outros partidos. Todos eles são jovens com quem Adélio já se tinha travado de razões durante a campanha eleitoral. Todos eles eram coladores de cartazes…sem cão! Adélio toma o seu lugar na mesa de voto e o tempo passa sem que ninguém entre… e a temperatura a aumentar….O tempo não parava de passar e em vez de entrarem votantes, os outros responsáveis partidários foram abandonando a mesa de voto, para irem para a praia. Às dez horas, Adélio estava só!
Sem boleia para ir à praia e sem nada que fazer, Dália decide ir votar. Na Areosa, Augusto acorda, olha para o lado e dá um berro, assustado com as feições da senhora de meia-idade deitada a seu lado. Com o berro a senhora acorda e Augusto para escapar o mais depressa possível, diz-lhe a primeira coisa que lhe vem à cabeça: – Vou votar, até logo! – Ao que a senhora pergunta: - Logo à noite apareces para me coçar o pézinho?
Sem responder, Augusto sai a pensar: “Tenho que ser mais selectivo…mas esta era a melhorzinha!”
Dália e Augusto, vindos de lados opostos aproximam-se da escola primária de Campanhã. Dália chega primeiro, entra na sala de voto, olha para a mesa e vê o seu filho.
- Adélio! Vieste votar? Podias ter dito, que vinha contigo.
- Não mãezinha querida, vim como representante de um partido, mas toda a gente foi-se embora e agora também sou o Presidente da mesa de voto! – Explica Adélio.
Dália, ao ouvir estas palavras que soaram melhor que mel para os ouvidos, desmaia atropelada por este “veículo pesado” de emoção…é o sonho de mãe de muitos anos que vê concretizado, quando pensava que já não havia salvação, após o esgotamento de Adélio aos cinco anos e meio!
Após o tombo de Dália, Augusto entra na sala de voto e avista Adélio que não vê há anos mas não o reconhece!
- Paiiiiii! – Exclama Adélio quando vê Augusto.
- Adélio???!!!!!! – Pergunta Augusto, com espanto.
- Sim pai, sou eu! A mãe caiu!
Augusto olha para baixo e vê uma mulher desmaiada, que lhe parece a sua mulher Dália.
- Não te preocupes Adélio, vou dar um beijo de príncipe à tua mãe!
- Pai, é melhor fazeres-lhe uma respiração boca a boca! – Propõe Adélio.
- Então faço um “dois em um”!
Augusto baixa-se, e encosta os seus lábios nos lábios de Dália. Ao primeiro toque, Dália abre os olhos, vê Augusto e pensa: “Finalmente vou comer bacalhau!”. Ao ver aquela imagem terna dos progenitores, Adélio debruça-se e abraça os pais, feliz por Dália recuperar a consciência e continuar a ter quem cozinhe lá em casa e pelo pai voltar ao mundo dos vivos, depois de se libertar da “colcha rendada espiritual”!
Ao fim de tantos anos, Adélio finalmente vê a família reunida e solta um berro de felicidade, semelhante ao de um Panda, quando escapa aos caçadores furtivos!

Devido à sua incompetência, Adélio faz uma careira brilhante no partido, tendo chegado a Primeiro-ministro com quinze cursos superiores acumulados, algumas engenharias tiradas ao domingo e outros cursos tirados em três semanas, por equivalências!
Adélio fica bem na vida, assim como seus pais, que ficam ricos depois de deixarem de trabalhar!

                                            FIM

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Adélio Dani (19º episódio)

...
Nessa noite, é “noite da mulher” no “BL Show”. São 22h. O padre Rodolfo estaciona a viatura paroquial próximo da danceteria “BL Show” e antes de sair do carro olha-se no espelho retrovisor e apercebe-se que não colocou o foco na orelha esquerda.
Regressa a casa, coloca o seu disfarce e retorna, agora sim, como Alex. São 23h quando entra na danceteria, apinhada de mulheres entradotas e de galanteadores experientes!
Alex busca Augusto com vontade de o desmascarar. Vê-o na pista de dança a bailar “De quem será o pai da criança”, com uma atleta medalhada, paraolímpica, manca das duas pernas, que não parece que manca! Todos os galanteadores do “BL Show” têm vontade de dar uma trinquinha nesta “perolazinha”!
Alex dirige-se como um foguete e em dança até Augusto, agarra-o pelo braço e puxa-o para o mesmo canto da última vez que falaram. A atleta paraolímpica, sem o apoio de Augusto, cai para o lado direito!
- O que se passa Alex…ou padre Rodolfo? – Pergunta Augusto, sem estar a perceber a rudeza de Alex.
- Ouça bem Augusto, estou farto das suas histórias e farto de o seu filho andar enganado a seu respeito! A próxima vez que o encontrar, conto-lhe tudo! – Ameaça Alex!
 - Ai é Alex?… - e Augusto tira o foco da orelha esquerda de Alex, e continua - ou PADRE RODOLFO?
O padre Rodolfo tira o foco que está na mão de Augusto e coloca-o novamente na sua orelha esquerda, e diz – Ó amigo Augusto, estava a brincar! Acha que eu ia contar ao Adéliozinho?! Nem pensar, eu sou sério!
Alex vai embora, não sem antes dizer – O seu filho anda metido na política! – E Augusto regressa à pista, mas o seu par paraolímpico, já está ocupado pelo Sr. Tavares. A esperança de passar a noite no centro de estágios foi-se, mas o seu espírito estava iluminado com o pensamento: “O meu Adélio está a recuperar do esgotamento!”.
Em Campanhã, antes de se deitar, Adélio vai ter com a mãe, que continua à volta do arranjo floral pedido há uns anos por uma cliente!
- Mãe?!
- Sim Adélio, que queres?
- Estou a trabalhar há já uns dias, a colar cartazes e…- antes de terminar e dizer que não era remunerado, é interrompido pela mãe.
- Que bom Adélio, já é uma ajuda e sendo assim, já não preciso de terminar este arranjo! – Diz Dália atirando o arranjo para o chão.
- Mas mãezinha… - e é novamente interrompido pela mãe.
- Não há mas nem meio mas. Vai-te deitar, porque amanhã tens que acordar fresquinho.

Nasce um novo dia em Campanhã, Adélio cada dia que passa está mais seguro que o dia nasce também para todo o país.


(continua)

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Adélio Dani (18º episódio)

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Nesta mesma noite e não muito longe, no salão de jogos de um café havia a reunião dos líderes do novo partido político de esquerda, com liderança repartida por todos os elementos, cinco, que desenhavam a estratégia para as próximas eleições da Junta de freguesia de Campanhã.
Os líderes, João Inseguro, Pietra Anda Lebre, Quico Porcelana, Joaquim Portão e Jerónimo Setúbal, nesta primeira reunião do SP-CPVT (Sou Preguiçoso-Com Pouca Vontade de Trabalhar), acordaram por unanimidade e como verdadeira política de esquerda e igualitária, que todos deviam ser líderes. Quanto aos outros pontos da agenda, todos queriam impor a sua opinião e não havia entendimento…excepto num…teriam de arranjar alguém para colocação dos cartazes para a campanha!

Nasce um novo dia no Porto, Adélio pensa que no resto do país também. Para exercitar o corpo e a mente, Adélio, à porta de casa, vira o corpo para a direita e para a esquerda e repete este movimento quatro vezes, graças à sua excelente preparação física. Antes de sair de casa para ir dar uma volta, como bom filho, chama pela mãe, mesmo sabendo que ela já tinha saído bem cedo para o mercado!
Nesse seu passeio com o seu fiel amigo Rubi, foi avistado pelo quinteto do SP-CPVT, que estava sentado na esplanada da pastelaria “Romrom” a desenvolver trabalho, que entre outros, consistia em “ver quem passa”. João Inseguro, o mais sóbrio, que já tinha pedido um copo de leite, avista Adélio parado no outro lado da rua a ver uma montra de material eletrotécnico.
- Pessoal! – Chama João Inseguro.
- O que é que foi? – Perguntam os outros.
- Qual é o perfil do tipo que queremos para colar os cartazes do nosso partido? – Pergunta João Inseguro
- Eh pá! Sei lá! – Respondem os outros em uníssono.
- Pode ser um tipo de aspecto débil e nabo?! – Volta a perguntar João Inseguro.
- Convém que tenha essas características! – Diz Quico Porcelana - Esses geralmente são nabos e comem pouco.
- Então descobri a nossa massa trabalhadora! Venho já.
João Inseguro levanta-se, atravessa a estrada e vai ao encontro de Adélio Dani. Este continua a contemplar a montra com o Rubi.
- Bom dia! – Diz João Inseguro.
- Bom dia! – Responde Adélio.
- Au, au, au. – Responde Rubi.
- Estava a apreciar a forma como admirava aquele micro chip que está na montra! – Diz João Inseguro – Por acaso não está à procura de trabalho?
- Eu não percebo nada destas coisas, quem gosta de ver esta montra é o meu cão, o Rubi! - Esclarece Adélio – Mas eu posso trabalhar!
- Muito bem! Podes aparecer logo no café do Sousa? – Pergunta João Inseguro.
- Sei aonde é. A que horas?
- Ao fim da tardinha. Até logo.
- Até logo.
João Inseguro regressa para a companhia dos seus camaradas e conta o sucedido, depois de terminar o seu copinho de leite. Adélio Dani continua a comtemplar a montra com o Rubi e a pensar que horas seriam “ao fim da tardinha”!
Para não se atrasar e como o assunto parecia importante, depois do almoço, Adélio já estava no café do Sousa. Umas horas depois, ao final da tarde, aparece o quinteto político.
 - Olá jovem vigoroso! – Diz João Inseguro – Quando falámos de manhã não nos chegámos a apresentar! Eu sou o João, este é o Pietra, este é o Quico, este é o Joaquim e este é o Jerónimo. E tu?
 - Eu sou o Adélio e este é o meu amigo Rubi!
Após as apresentações, o quinteto senta-se. Pedem umas cervejolas e João inseguro um copo de leite morninho.
- Adélio, nós somos líderes partidários e o nosso partido vai candidatar-se à Junta de Freguesia de Campanhã. No nosso staff precisamos de operacionais ágeis e competentes para o desempenho de uma função crucial para o crescimento do partido e para o bem-estar da população! – Declara Quico Porcelana.
- O quê? – Pergunta Adélio Dani.
- Bem, precisamos de alguém para colar cartazes. – Diz Jerónimo Setúbal.
- E quanto pagam? – Pergunta Adélio, inocentemente.
- O quê?! – Diz João Inseguro, sentindo-se afrontado com a pergunta, quase virando o copinho de leite – Hoje de manhã falámos de trabalho! Quem falou de remuneração, hein? Sê sério rapaz, sê sério!
- Não sei se te queremos! – Diz Pietra Anda Lebre.
- Desculpem! Dêem-me mais uma oportunidade! Só mais uma, por favor! – Pedincha Adélio.
- Não sei, não sei! Só se pagares o meu copinho de leite! – Propõe João Inseguro.
- E as nossa cervejas! – Remata Quico Porcelana.
Adélio Dani e Rubi terminam o final de tarde a lavar pratos e a varrer o chão do café do Sousa.

Dois dias depois desta reunião, Adélio inicia o trabalho de colagem dos cartazes, que tem as iniciais do partido, SP-CPVT, o símbolo do like e a frase “Vamos fazer desaparecer a concorrência”. Na execução deste trabalho tem a ajuda do seu amigo Rubi, que segura o balde da cola e segue as indicações dos líderes, colando os cartazes do SP-CPVT por cima dos cartazes dos outros partidos concorrentes, fazendo do SP-CPVT o partido que diz a verdade!
Apesar do SP-CPVT concorrer à Junta de Campanhã, Adélio Dani, distraído, ia colando cartazes sem ter noção da divisão territorial e sem espanto estava a colar um cartaz por cima de outro pertencente a um partido concorrente à Junta de Paranhos, na parede lateral da igreja!

São 19h e a igreja está cheia de fiéis da missa das 18, que ainda não começou por falta do padre…estava atrasado…outra vez. O padre Rodolfo, quando chega vindo de um jogo de poker, ao entrar para a igreja vê alguém na lateral desta e desvia-se para lá.
Conforme se aproxima, vai reconhecendo a pessoa.
- Adélio, és tu? – Pergunta.
- Ó Sr. padre, olá! O que é que faz por aqui? – Pergunta Adélio.
Sem perceber a pergunta, o padre Rodolfo responde. – Então?! Eu sou daqui de Paranhos, dou missa nesta igreja!
- Chiça, estou fora de Campanhã! Desperdicei este cartaz que colei aqui na parede!
O padre Rodolfo afasta-se um pouco da parede, mira, avalia e sentencia – Gosto, deixa estar!
Mais aliviado e pondo as politiquices de lado, Adélio pergunta – Sr. padre, do meu pai, tem novidades?
- Adélio, ainda bem que falas nisso. Pedi ajuda a um amigo, padre também, e numa cerimónia secreta no “PN”, descobrimos que o teu pai não está preso numa cortina espiritual!
- Ai não?!
- Não!
- E então?
- Então, o quê?
- Está preso aonde?
- Ah, sim! O teu pai está preso numa colcha rendada, com folhos a toda a volta, em tons de pérola! É pior do que eu pensava! – Diz o padre Rodolfo.
- Meu Deus! E agora? – Pergunta Adélio.
- Não está nas minhas mãos, nem do meu outro amigo padre! Isto é trabalho para uma bordadeira de Arraiolos! Tenho uma amiga que pode ajudar! – Remata o padre Rodolfo.
Os dois despedem-se. Adélio e Rubi tomam o caminho para Campanhã. O padre Rodolfo acelera o passo com três preocupações: Primeira - Evitar bater o recorde de atraso, segunda - livrar-se desta história Adélio/Augusto e terceira – como perdeu o dinheiro todo no poker, espera que ainda esteja gente na igreja à espera da missa, para fazer um peditório de esmolas para os pobrezinhos.

Nessa noite, é “noite da mulher” no “BL Show”. São 22h. O padre Rodolfo estaciona a viatura paroquial próximo da danceteria “BL Show” e antes de sair do carro olha-se no espelho retrovisor e apercebe-se que não colocou o foco na orelha esquerda.

(continua)

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Adélio Dani (17º episódio)

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Nessa mesma noite, o padre Rodolfo iria sair. É “Special night” no “J.D.” e não entram velhas loiras com mais de setenta anos! Rodolfo sabe que vai encontrar Augusto o “Rebola a Bunda”.
São 21horas, o padre Rodolfo está em frente ao espelho. Já penteou o cabelo e chegou creme à cara, só lhe falta o adereço que o torna irreconhecível: um foco pendurado na orelha esquerda! Eis o Alex!
São 21h45m, Alex chega ao “J.D.” e há grande confusão à entrada! Martim, o porteiro (há mais de cinquenta anos), tem que pedir o “Cartão do Cidadão” às senhoras que na sua maioria estão na fronteira dos setenta anos!
Alex entra, dá uma vista de olhos e não vê Augusto, apenas nove senhoras, que falsificaram o “Cartão do Cidadão”, para poderem participar nestas noites longas e loucas!
Às 22 horas, com a falta de clientela, Martim suspende a selecção e o espaço de diversão nocturna enche num ápice.
A abertura da pista dá-se ao som de “Cinderela” de Carlos Paião e a seguir o DJ Matos, começa a bombar com os “Gipsy Kings”. Entre as músicas “Jobi Jobá” e “Maria Dolores”, chega Augusto o “Rebola a Bunda”, de costas e aos pulos! Todas as mulheres apreciavam o rabo de Augusto…e ele sabia disso!
Próximo do bar da entrada, Augusto avista Carol, uma senhora viúva e de posses, que o tinha convidado para sair. Augusto tinha negado, dizendo que nessa noite não ia sair, por motivos de doença!
Rapidamente vira a cara e segue para o lado oposto da danceteria. Sem saber, estava a ser seguido por Alex.
- Augusto, Augusto! - Chama Alex.
Augusto pára e olha para trás – É você Alex? Como está?
- Bem, obrigado! Tenho que falar consigo! – Diz Alex. – Vamos para aquela mesa.
Os dois vão para uma mesa, num canto onde podem conversar com alguma privacidade.
- Tenho algo para lhe revelar! – Diz Alex. De repente e sem aviso prévio tira o foco da orelha esquerda!
- O quê?! Não posso crer! Padre Rodolfo??!! – Exclama Augusto, torrencialmente espantado!
- Sim Augusto, sou eu! Tal como o Augusto, também gosto de arrastar a perna pelas pistas de dança! Mas tenho que me disfarçar, a igreja não permite e é por isso que uso esta “capa”! – Explica Rodolfo enquanto segura o foco na mão, e prossegue: – Você compreende-me Augusto, também sou um sedutor das pistas de dança!
- Que estranho! – Exclama Augusto – Mas a igreja permite que os padres tenham “sobrinhas” e “afilhadas”…. hi, hi, hi…
- Estranho é o que tenho para lhe dizer! Está preparado?
- Eh pá, não sei! Se for para ir jogar à bola, agora, não! Não trouxe equipamento, e mesmo que tivesse não dava, já não aguento noventa minutos a correr, agora faço treino específico para duas horas de dança seguidas! – Responde Augusto.
- Poça, duas horas a dançar?! Muito bom! E aguenta??
- Não. Por enquanto só vinte minutos! – Esclarece. – Mas é para jogar à bola?
- Antes fosse uma peladinha, Augusto! Andam à tua procura!
- Elas…humm! Mas qual é a novidade? Às vezes tenho que fugir…eu sei que sou perseguido! Não me deixam em paz, mas também são o meu modo de vida! – Diz Augusto enchendo o peito e esvaziando-o lentamente.
- Quem te procura Augusto, é o teu filho, o Adélio! – Diz o padre Rodolfo em tom dramático.
- O meu filho! – Diz Augusto pensativo, enquanto olha para o ar.
Augusto começa a rebobinar o filme da sua vida. Vai-se lembrando dos relacionamentos tidos até aquele momento e parece-lhe impossível! Muitas das mulheres maduras com quem se tinha relacionado, a natureza já lhes havia fechado a torneira da procriação faz tempo e as raras que estavam ainda no limiar do “procrio não procrio” afinal também não contavam porque a fraca ereção de Augusto não lhe permitia consumar o acto devidamente, por causa dos problemas de próstata, embora Augusto sempre se desculpasse com um “Não me atrais. Vestida és uma coisa, tiras o soutien ficas outra!”
O flashback ainda não tinha terminado e quase perdida no baú das recordações aparece-lhe a memória de Dália, sua mulher, de Adélio Dani, seu filho e do Rubi, o cão amigo!
- Caramba, ao fim de tantos anos! O que é que ele quer?! – Pergunta Augusto.
- Foi uma surpresa saber que o “Rei das pistas” tem um filho! Ele pensa que o Augusto está preso no mundo do além, numa espécie de cortina espiritual e pediu-me ajuda para o trazer para o mundo de cá! – Explica o padre Rodolfo, que entretanto coloca o foco luminoso na orelha, antes que seja descoberto.
- O rapaz tem cada uma! Nunca mais foi o mesmo depois do esgotamento que teve aos seis anos! – Diz Augusto.
- Mas o que vos aconteceu no passado? – Pergunta, o agora, Alex.
Augusto recorda o que queria ter enterrado para sempre – Há muitos, muitos anos, depois de o meu filho ter acabado os estudos superiores, deu-lhe um esgotamento, tinha ele seis anos! A partir daí, a nossa vida começou a andar para o lado…
- Para trás. – Interrompe o Alex.
- O quê? – Pergunta Augusto.
- É para trás que se diz, para trás. - Corrige Alex.
- Não, não, a vida começou a andar para o lado. Eu ia para o trabalho de mota com o Tino, mas ele comprou um carro e comecei a ir ao lado dele. Na mesma altura, na traineira, acabaram com os beliches e começamos a dormir ao lado uns dos outros e…esta… custa…participei numa prova de atletismo para veteranos e pensei que tinha ficado em segundo, mas…o photo-finish mostrou que fiquei em primeiro, lado a lado com o outro primeiro!
- Aaahhh, e depois? – Pergunta Alex.
- Um dia decidi ir para mais longe para melhor sustentar a família! Decidi ir para a faina do bacalhau! Na madrugada seguinte tentei acordar o meu filho e a minha mulher para me despedir e eles…e nem um beijo, continuaram a dormir! Não aguentei tamanha indiferença e não embarquei…comecei a viver à custa das mulheres! – Relata Augusto, com o semblante triste.
Alex levanta-se e antes de partir faz um ultimato a Augusto: – Nunca se atreva a fazer-me o mesmo, nunca pense em acordar-me de madrugada! – E vai.
Augusto atarantado com as novidades, levanta-se e vai para o meio da pista onde, alheio ao mulherio, aplica um novo passo de dança: o movimento “broca” ao som de Jean Michel Jarre.

Nesta mesma noite e não muito longe, no salão de jogos de um café havia a reunião dos líderes do novo partido político de esquerda, com liderança repartida por todos os elementos, cinco, que desenhavam a estratégia para as próximas eleições da Junta de freguesia de Campanhã.

(continua)

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Adélio Dani (16º episódio)

...
É meio da tarde, Adélio Dani tem uma ligeira ideia de que há missas ao final da tarde. Arrepia caminho com Rubi e o hamster e chega ao Largo Paroquial de Paranhos às 19h45m. Na porta da igreja, olha para o horário das missas e apercebe-se que está a decorrer uma, que tinha começado às 19h. “Deve estar a terminar, vamos entrar!” – Pensou Adélio Dani.
Adélio e os bichos entram e deixam-se ficar ao fundo da igreja. A missa afinal ainda não tinha começado e todos os paroquianos bufavam, pela falta de paciência. O padre Rodolfo estava atrasado!
Às 20h o padre Rodolfo entra na sacristia. Na nave da igreja já estavam amontoados os fiéis das 19h juntamente com os das 20h. Os das 19h pensam: “Que puto de atrasado”, enquanto os das 20h, pensam: “Certinho como um relógio”!
- Aos das 19h, peço desculpa pelo atraso, mas a culpa não foi minha! Fui ver a final hiper-amadora entre o Grémio do Silo Auto versus Ordem do Carmo F. C. Aquilo começou às 16h e dava para chegar à vontadinha à missa das 19, mas aquilo deu para a porrada, depois empataram, foram a prolongamento, deu para a porrada outra vez, e… - entusiasmado o padre Rodolfo continua: – dei lá uns chapadões, aquilo é que foi! – Apercebendo-se do que acabara de dizer, cala-se com o relato e inicia a missa.
-…e Cristo na última ceia disse – “um de vós vai-me trair, mas não faz mal, porque só podem entrar em campo onze jogadores. Tu, Pedro, vais ser o capitão!” - Ao ouvir isto Paulo interrompe e diz: “- Ó mister e eu?” – Ao qual Cristo responde: – “Eu é que sei. Se continuas a meter nojo, vais para o banco e o Judas entra outra vez na equipa!” – Ao ouvir isto, Judas esfrega as mãos e… - Bem está na hora de um break, quinze minutos para ir à casa de banho e fumar um cigarrinho. – Diz o padre Rodolfo.
-E eu, senhor padre? Eu não fumo, nem tenho vontade de ir à casa de banho! Para mim a missa continua? – Pergunta Anselmo, o maior tótó do Distrito do Porto, natural de Paranhos.
-Vai cheirar ânus de cães! – Responde o padre Rodolfo, farto das tretas do Anselmo, enquanto se encaminha para o exterior da sacristia.
No exterior, o padre Rodolfo vai para as traseiras da igreja, onde já se encontra a sacristã Rosa. Os dois acendem um cigarro e segredam coisas um ao outro.
Adélio Dani e os bichos seguiram o padre Rodolfo. Ao presenciar a intimidade entre o padre Rodolfo e a sacristã Rosa, Adélio não sabe como interromper. Ao fim de dez minutos de intervalo, Adélio lembra-se: “Já sei, vou interromper de forma dramática!”.
Adélio Dani contorna a esquina da igreja, dá uma cabeçada na parede e berra: - Ui, ui, ai ai! – Estatela-se no chão e exclama, bem alto, para ser ouvido: - Caneco, não vi a igreja!
O padre Rodolfo e Rosa olham para o céu e exclamam: -Pareceu-me ouvir algo!
Pela última vez segredam ao ouvido um do outro e dirigem-se para o interior da igreja para dar início à segunda parte da missa. Neste curto trajecto, Rodolfo, o padre, tropeça em Adélio Dani:
- Ui rapaz, a simular faltas no recinto da igreja?! Deus não gosta… - E é interrompido por Rosa.
- Nem eu!
- Não Sr. Padre, o que aconteceu foi que não vi a igreja e dei uma grande cabeçada na parede e caí em desmaio!
- Meu bom rapaz, se és ceguinho, devias usar uma bengalinha ou usar esse belo cão para te guiar!
Rubi e o hamster estão sentados ao lado de Adélio.
- Eu não sou cego, Sr. Padre, sou só um bocadinho distraído! – Explica Adélio Dani.
Ao ouvirem isto, o padre Rodolfo e a sacristã Rosa, olham para o edifício imponente da igreja e pensam: “O gajo não viu isto?”
- Precisas de ajuda? Queres que chame a ambulância? – Pergunta o padre.
Num instante, Adélio Dani levanta-se.
- Não Sr. Padre, eu preciso é de falar consigo. Estes dois bichos estão possuídos e o meu pai está preso numa cortina espiritual! – Explica Adélio.
- Heinn?! – Exclama Rodolfo, não percebendo nada, e prossegue: – Deita-te outra vez e fica aqui quietinho e no fim da missa falamos!
Adélio Dani assim fez, deu outra cabeçada na parede da igreja e berra: - Ui, ui, ai, ai! – Estatela-se no chão e exclama: - Caneco, não vi a igreja!
Rodolfo e Rosa abanam a cabeça e entram no estádio…na igreja, para a segunda parte.
Já no interior da igreja, repleta de gente, o padre Rodolfo não se lembra em que ponto estava da missa quando foram para intervalo e sem saber o que dizer, termina: - Bem, por hoje é tudo, amanhã há missa à mesma hora.
Todos desmobilizam, mas não sem que antes, Anselmo, o maior tótó do Distrito do Porto, natural de Paranhos, repare: - Para isso, quando terminou a primeira parte da missa, tinha acabado a missa toda!
- Vai cheirar ânus de cães! – Responde o padre Rodolfo, enquanto se encaminha, com Rosa, para as traseiras da igreja ao encontro do jovem estranho, que lá tinha ficado deitado!
Já no exterior da igreja, Adélio Dani, ao avistar a comitiva clerical, levanta-se. O padre Rodolfo aproxima-se, tira uns óculos de ver filmes a três dimensões, comprados no Arrábida Shopping quando foi ver o Godzilla com a Aurora, e espeta-os na cara de Adélio Dani.
- Assim, vês melhor? – Pergunta.
- Não! – Responde Adélio Dani.
- E agora? – Pergunta novamente o padre Rodolfo, depois de lhe tirar os óculos da cara.
- Aaahh, agora já vejo bem!
Rodolfo vira-se para Rosa e exclama: – Salvei a vista deste rapaz! – E vira-se novamente para Adélio. Rosa já está de joelhos e de braços esticados para o céu, para agradecer mais um milagre não milagre!
- Então?! Ora explica-me a história maluca de que falaste há pouco! – Pergunta o padre.
- Sr. Padre, estes dois bichos que aqui estão – diz apontando para o Rubi e o hamster – estão possuídos e não me deixam dormir à noite!
- Não me parece! – Contraria o padre.
- Mas estão! – Insiste Adélio.
- Pois estão! – Decide concordar o padre Rodolfo.
Aproxima-se de Rubi e do hamster, põe-lhes a mão em cima e solta uma frase arrepiante, com ritmo caliente: – Largai, espíritos malvados, este cão e rato, oléééééééé! – Volta-se novamente para Adélio, e diz: – Já está!
Rosa cai novamente de joelhos ao tropeçar numa couve, que cresceu miraculosamente na pedra granítica, e estica os braços, para alguém a ajudar!
- Obrigado Sr. Padre, este problema já está resolvido! Falta o outro!
- Que outro, meu filho? – Pergunta Rodolfo.
- O do meu pai. Ele está preso numa cortina espiritual!
- Humm, ora conta-me a história! – Pede o padre Rodolfo.
- Bem senhor padre, foi assim: Eu quando nasci era muito inteligente e…blá, blá, blá, blá, blá…aos seis anos estava formado e tive um esgotamento…blá, blá, blá, blá, blá…o meu pai para melhor sustentar a família saiu para a pesca do bacalhau…blá, blá, blá, blá, blá…uma vizinha diz que o meu pai morreu afogado, outra diz que o tem visto no Porto com outras mulheres…blá, blá, blá, blá, blá…fui pensar na vida e decidi salvar vidas em memória do meu pai…blá, blá, blá, blá, blá…o Neco disse-me que os bichos estavam possuídos e o meu pai preso numa cortina espiritual, e que o padre Rodolfo o pode fazer voltar!
Ao ouvir esta história Rodolfo pensa – O Neto só me lixa!
- E como se chama o teu pai? – Pergunta.
- Augusto, filho de José e de Maria!
Ao ouvir isto, Rodolfo fica atónito! Ele conhece muito bem Augusto dos clubes dançantes do Porto, ele conhece muito bem Augusto o ”Rebola a Bunda”.
-Meu rapaz, vai demorar tempo para salvar o teu pai e mesmo assim não sei se o consigo trazer de volta!
- Por favor Sr. Padre, por favor! – Implora Adélio.
- Bem…nos próximos dois dias não posso fazer nada, vamos receber muitos romeiros para rezar e prestar honra à Couve…Passa por cá depois! – Diz Rodolfo
- Obrigado Sr. Padre! Adeus! – Responde Adélio e feliz por ter os amiguinhos de volta ao mundo dos vivos despossuídos.
Com a felicidade, dá um abraço a Rubi e uma lambidela ao hamster que apanha uma cárie de Adélio e entra em coma nesse mesmo dia, morrendo à noite, rodeado pela família.

Nessa mesma noite, o padre Rodolfo iria sair. É “Special night” no “J.D.” e não entram velhas loiras com mais de setenta anos! Rodolfo sabe que vai encontrar Augusto o “Rebola a Bunda”.

(continua)