sábado, 8 de junho de 2013

Possessão.

Mais por observação dos outros do que propriamente por educação e formação, nunca acreditei no mundo metafísico, demónios e intervenções divinas, ficando sempre um pouco perturbado quando ouço de gente, principalmente jovem e bem formada, a expressão – “Foi porque Deus quis!”
Esta expressão se utilizada como desbloqueador para pôr fim a uma conversa sobre a queda de skate do Caló, que foi parar ao hospital para lhe chegarem Betadine, é aceitável, mas como explicação da distracção do jovem skater, como se não estivéssemos sós no mundo, isso é estúpido…pensava eu até um dia destes!!!

A minha senhora depois de chegar a casa com mais um par de sapatos, a minha expressão foi a mais natural do mundo:
- Outros?!!! – exclamei, e de seguida aplico outra exclamação, para não ferir susceptibilidades e evitar uma discussão: – São muito bonitos!
Rapidamente esclareceu-me que, tal como o Gaspar, também tem uma folha de cálculo Excel e perspectiva utilizá-los no casamento de um dos primos, que agora ainda estão na casa dos vinte, e que mal será se pelo menos um não se casa!
É esta visão que a Cristina tem enquanto mulher, que a mim, homem, me ultrapassa! E ao longo dos anos, com o “navio”, navegando bem ou menos bem, sempre assumi isto como normal…até há poucos dias atrás.
Estávamos num final de tarde, na Rua Conde S. Bento, na Trofa, a minha terra. Esta é a rua comercial por excelência, com só metade das lojas fechadas, sobrando algumas de decoração, que são as favoritas da Cristina.
Na primeira montra avistamos uma peça sobre a qual a Cristina comenta:
- Que bonita, ficava mesmo bem na nossa sala!
Com este comentário, não digo nada, faço um biquinho, como quem quer assobiar e fico ligeiramente tenso e preso de movimentos e penso para mim – “Fogo, ainda só estamos no início da rua”.
Ainda havia muita montra para ver, quando, no meio de algum espanto, ouço da Cristina:
- Mas já temos em casa 34 peças iguais ou parecidas com esta. Não vou comprar!
Percorremos o resto da rua sem que a Cristina fizesse alguma compra, como que tendo desistido da Folha de Cálculo do Gaspar, que “dispara” quase sempre ao lado!
À noite, já a Cristina dormia, e eu perturbado com aquele final de tarde, fazia zapping na televisão e parei no Fox Movies, onde estava a dar o filme “O exorcismo de Emily Rose”. Estava a começar e vi-o até ao fim. Desligo a televisão e enquanto olho para a Cristina sou assombrado pelo pensamento – “Será que estás sob posse demoníaca?!”
Este dia foi um novo início para mim, onde comecei a perceber que existem forças que nos ultrapassam e que escapam à nossa capacidade de entendimento!
Despertamos cedo e ao pequeno almoço pergunto:
- Vamos fazer compras desnecessárias, mas bonitas?
A Cristina fita-me durante alguns segundos. Pensava eu que a apreciar a minha beleza logo pela manhã, e responde:
- Estás tolo! Parece que o dinheiro não custa a ganhar!
Tentei disfarçar o melhor possível a minha aflição. A minha mulher estava possuída, tinha que fazer algo!
À noite, no regresso a casa, de carro, a Cristina adormece. Era agora ou nunca, tinha que fazer um exorcismo. Rapidamente tomei a direcção do IKEA.
Lá chegados e pela primeira vez contra vontade, a Cristina passeava-se nos corredores e eu iniciei o exorcismo, utilizando “água-benta comercial”:
- Morzinho olha que sofá lindo,…olha que mobília de quarto espectacular, olha que tapetes belos, vamos comprar, vamos,…vê-me só a categoria deste quebra-nozes,…!
Eu dava o meu melhor neste exorcismo, mas o espírito dentro da Cristina mantinha-se frio e calculista, mas não podia desistir, tinha que recuperar a minha mulher!
- Vai-te espírito maldito! – grito, enquanto “esfrego” umas toalhas de mesa na cara da Cristina.
Nesta altura sou chamado à atenção por um empregado do IKEA.
O desepero era total, quando à saída, a Cristina repara:
- Que cadeiras de esplanada bonitas!
Apesar de já termos trinta daquelas cadeiras, os meus olhos brilharam e as lágrimas já me escorriam pelo rosto, pensando que tinha recuperado a minha mulher, quando contra o que era de esperar, ela continua: – Mas já temos! Porque é que havemos de gastar dinheiro?!
Tomado pelo desespero, pergunto:
- Quem és tu Espírito mau? Abandona esse corpo e vai para o teu mundo!
A expressão na cara da Cristina altera-se, como quando faço migalhas em casa, e com uma voz grossa denuncia-se:
- Eu sou o Joaquim Gaspar, trisavô do Vitor!
Saio do IKEA, derrotado, com a Cristina possuída por um Demónio fortíssimo anti-despesa. Mas eu desconhecia o poder de um Centro Comercial mesmo para um Demónio forreta.
Ao dirigirmos-nos para o parque de estacionamento, ao passar pela última loja de decoração:
- Espera! Que coisas lindas! – diz ela.
Entrou e comprou meia dúzia de peças, três delas desnecessárias. O exorcismo tinha dado resultado. Dei-lhe um abraço forte, tinha recuperado a minha senhora e já no carro pede-me:
- Vamos ao IKEA, outra vez?
Feliz, por ouvir estas palavras, sorri.
- Amanhã, vimos de manhã, à tarde e à noite! – prometi-lhe.
- Boa! – responde-me com um abraço, como se não me visse há muito tempo.

Os espanhóis bem dizem, “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay!”

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