Quando penso naquilo que eu possa ter de
bom como pessoa (poucas coisas), agrada-me crer que talvez tenha absorvido a
maior ou uma das maiores riquezas, transmitida pelos meus pais, principalmente
o meu pai, o Sr Augusto. Não foi nenhuma herança material, que também me iria saber
bem e me permitiria “assasinar” o despertador, mas foi sim o despertar do
pensamento, questionando as coisas e pesquisando, para melhor fundamentar as
minhas posições. Na essência, ser capaz de pensar pela minha própria cabeça e
não me deixar arrebanhar pela maioria (com a excepção daquele ano, no Ciclo Preparatório,
em que eu e mais meia turma andávamos atrás da mesma miúda).
O Sr Augusto, para me mostrar
que essa seria a melhor postura, mostrou-me a outra face! Assistimos a uma
sessão da Assembleia da República, em que um alto responsável da Nação
respondia “Não”, pela nobre e justificada razão do outro alto responsável da Nação
ter antes dito “Sim”, seguindo-se um cacarejar, que rapidamente transformou um
local de supostas discussões sérias, num verdadeiro galinheiro, com a
desvantagem dos deputados não porem ovos (que nem precisariam ser de ouro). No
final fui levado a um café onde se discutia futebol.
Cada um dos intervenientes
justificava as suas opiniões com um sólido e fundamentado “Porque sim” ou
“Porque não", não raras vezes seguido de um “Tu não percebes nada!”!
Estas discussões a que assisti,
apesar de cenicamente impressionantes, se tivesse que fazer um sumo das mesmas,
nada sairia… eram conversas “secas”.
Dias depois, quando o
questionei sobre a “Fé”, sobre se esta era mais forte e se tinha mais sentido que
a “Razão”, o Sr Augusto apenas me disse: - Anda daí!
Nessa altura havia “peregrinações”
a um eucalipto (sim, um eucalipto), localizado próximo da Trofa, que
miraculosamente libertava fumo, e denso. Lá chegados, e com os olhos bem
abertos, vimos o óbvio, o eucalipto em vez de libertar fumo era sobrevoado por
milhares de mosquitos! Ao meu lado alguém rezava e perguntei:
- Está a rezar pelos mosquitos?
- Quais mosquitos, menino? –
respondeu-me a senhora com uma pergunta, enquanto mascava umas ervas.
Regressei a casa intrigado com
a possibilidade da fé poder cegar!
Na prateleira do móvel da
sala, algures entre os “Miseráveis” e um livro de receitas que tinha um bolo de
iogurte muito bom, estava a descansar a “Bíblia”. Acordei-a e passei as semanas
seguintes a lê-la. Fiquei a saber que os milagres terminaram com a morte dos
apóstolos e preocupei-me com a senhora que rezava aos mosquitos! Seriam alucinogénias
as ervas que a senhora mascava?
De onde viria aquela fé? O meu
pai levou-me a uma igreja para assistir a uma missa.
Algumas das coisas que ouvi
durante a cerimónia e os rituais encenados durante a mesma, que toda a gente
absorvia como verdade, contradiziam o que tinha lido no livro que estava
pousado no altar. Concluí que a manipulação da fé das pessoas, por uns, podia facilmente
levar à construção de santuários onde mosquitos voam à volta de eucaliptos…para
miraculosamente passarmos nas avaliações da Troika!
Mais tarde, perguntei ao meu
pai sobre o “Politicamente correcto”.
- Isso vais descobrir por ti!
– respondeu-me.
Com o passar dos anos e com a
percepção que fui adquirindo da vida e dos outros, apercebi-me de que uma
minoria (descubram qual) ditou a forma de pensar, mascarando lobos com pele de cordeiros
e o contrário, condenando quem se atreve a discordar e a sair desta forma
balizada de pensamento. Para muitas pessoas essa limitação foi um alívio que
lhes deu mais tempo para novelas e “Big Brothers”. Afinal a forma correcta de
pensar já está decretada, basta ler o “Manual do Politicamente Correcto”.
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