segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Adélio Dani (16º episódio)

...
É meio da tarde, Adélio Dani tem uma ligeira ideia de que há missas ao final da tarde. Arrepia caminho com Rubi e o hamster e chega ao Largo Paroquial de Paranhos às 19h45m. Na porta da igreja, olha para o horário das missas e apercebe-se que está a decorrer uma, que tinha começado às 19h. “Deve estar a terminar, vamos entrar!” – Pensou Adélio Dani.
Adélio e os bichos entram e deixam-se ficar ao fundo da igreja. A missa afinal ainda não tinha começado e todos os paroquianos bufavam, pela falta de paciência. O padre Rodolfo estava atrasado!
Às 20h o padre Rodolfo entra na sacristia. Na nave da igreja já estavam amontoados os fiéis das 19h juntamente com os das 20h. Os das 19h pensam: “Que puto de atrasado”, enquanto os das 20h, pensam: “Certinho como um relógio”!
- Aos das 19h, peço desculpa pelo atraso, mas a culpa não foi minha! Fui ver a final hiper-amadora entre o Grémio do Silo Auto versus Ordem do Carmo F. C. Aquilo começou às 16h e dava para chegar à vontadinha à missa das 19, mas aquilo deu para a porrada, depois empataram, foram a prolongamento, deu para a porrada outra vez, e… - entusiasmado o padre Rodolfo continua: – dei lá uns chapadões, aquilo é que foi! – Apercebendo-se do que acabara de dizer, cala-se com o relato e inicia a missa.
-…e Cristo na última ceia disse – “um de vós vai-me trair, mas não faz mal, porque só podem entrar em campo onze jogadores. Tu, Pedro, vais ser o capitão!” - Ao ouvir isto Paulo interrompe e diz: “- Ó mister e eu?” – Ao qual Cristo responde: – “Eu é que sei. Se continuas a meter nojo, vais para o banco e o Judas entra outra vez na equipa!” – Ao ouvir isto, Judas esfrega as mãos e… - Bem está na hora de um break, quinze minutos para ir à casa de banho e fumar um cigarrinho. – Diz o padre Rodolfo.
-E eu, senhor padre? Eu não fumo, nem tenho vontade de ir à casa de banho! Para mim a missa continua? – Pergunta Anselmo, o maior tótó do Distrito do Porto, natural de Paranhos.
-Vai cheirar ânus de cães! – Responde o padre Rodolfo, farto das tretas do Anselmo, enquanto se encaminha para o exterior da sacristia.
No exterior, o padre Rodolfo vai para as traseiras da igreja, onde já se encontra a sacristã Rosa. Os dois acendem um cigarro e segredam coisas um ao outro.
Adélio Dani e os bichos seguiram o padre Rodolfo. Ao presenciar a intimidade entre o padre Rodolfo e a sacristã Rosa, Adélio não sabe como interromper. Ao fim de dez minutos de intervalo, Adélio lembra-se: “Já sei, vou interromper de forma dramática!”.
Adélio Dani contorna a esquina da igreja, dá uma cabeçada na parede e berra: - Ui, ui, ai ai! – Estatela-se no chão e exclama, bem alto, para ser ouvido: - Caneco, não vi a igreja!
O padre Rodolfo e Rosa olham para o céu e exclamam: -Pareceu-me ouvir algo!
Pela última vez segredam ao ouvido um do outro e dirigem-se para o interior da igreja para dar início à segunda parte da missa. Neste curto trajecto, Rodolfo, o padre, tropeça em Adélio Dani:
- Ui rapaz, a simular faltas no recinto da igreja?! Deus não gosta… - E é interrompido por Rosa.
- Nem eu!
- Não Sr. Padre, o que aconteceu foi que não vi a igreja e dei uma grande cabeçada na parede e caí em desmaio!
- Meu bom rapaz, se és ceguinho, devias usar uma bengalinha ou usar esse belo cão para te guiar!
Rubi e o hamster estão sentados ao lado de Adélio.
- Eu não sou cego, Sr. Padre, sou só um bocadinho distraído! – Explica Adélio Dani.
Ao ouvirem isto, o padre Rodolfo e a sacristã Rosa, olham para o edifício imponente da igreja e pensam: “O gajo não viu isto?”
- Precisas de ajuda? Queres que chame a ambulância? – Pergunta o padre.
Num instante, Adélio Dani levanta-se.
- Não Sr. Padre, eu preciso é de falar consigo. Estes dois bichos estão possuídos e o meu pai está preso numa cortina espiritual! – Explica Adélio.
- Heinn?! – Exclama Rodolfo, não percebendo nada, e prossegue: – Deita-te outra vez e fica aqui quietinho e no fim da missa falamos!
Adélio Dani assim fez, deu outra cabeçada na parede da igreja e berra: - Ui, ui, ai, ai! – Estatela-se no chão e exclama: - Caneco, não vi a igreja!
Rodolfo e Rosa abanam a cabeça e entram no estádio…na igreja, para a segunda parte.
Já no interior da igreja, repleta de gente, o padre Rodolfo não se lembra em que ponto estava da missa quando foram para intervalo e sem saber o que dizer, termina: - Bem, por hoje é tudo, amanhã há missa à mesma hora.
Todos desmobilizam, mas não sem que antes, Anselmo, o maior tótó do Distrito do Porto, natural de Paranhos, repare: - Para isso, quando terminou a primeira parte da missa, tinha acabado a missa toda!
- Vai cheirar ânus de cães! – Responde o padre Rodolfo, enquanto se encaminha, com Rosa, para as traseiras da igreja ao encontro do jovem estranho, que lá tinha ficado deitado!
Já no exterior da igreja, Adélio Dani, ao avistar a comitiva clerical, levanta-se. O padre Rodolfo aproxima-se, tira uns óculos de ver filmes a três dimensões, comprados no Arrábida Shopping quando foi ver o Godzilla com a Aurora, e espeta-os na cara de Adélio Dani.
- Assim, vês melhor? – Pergunta.
- Não! – Responde Adélio Dani.
- E agora? – Pergunta novamente o padre Rodolfo, depois de lhe tirar os óculos da cara.
- Aaahh, agora já vejo bem!
Rodolfo vira-se para Rosa e exclama: – Salvei a vista deste rapaz! – E vira-se novamente para Adélio. Rosa já está de joelhos e de braços esticados para o céu, para agradecer mais um milagre não milagre!
- Então?! Ora explica-me a história maluca de que falaste há pouco! – Pergunta o padre.
- Sr. Padre, estes dois bichos que aqui estão – diz apontando para o Rubi e o hamster – estão possuídos e não me deixam dormir à noite!
- Não me parece! – Contraria o padre.
- Mas estão! – Insiste Adélio.
- Pois estão! – Decide concordar o padre Rodolfo.
Aproxima-se de Rubi e do hamster, põe-lhes a mão em cima e solta uma frase arrepiante, com ritmo caliente: – Largai, espíritos malvados, este cão e rato, oléééééééé! – Volta-se novamente para Adélio, e diz: – Já está!
Rosa cai novamente de joelhos ao tropeçar numa couve, que cresceu miraculosamente na pedra granítica, e estica os braços, para alguém a ajudar!
- Obrigado Sr. Padre, este problema já está resolvido! Falta o outro!
- Que outro, meu filho? – Pergunta Rodolfo.
- O do meu pai. Ele está preso numa cortina espiritual!
- Humm, ora conta-me a história! – Pede o padre Rodolfo.
- Bem senhor padre, foi assim: Eu quando nasci era muito inteligente e…blá, blá, blá, blá, blá…aos seis anos estava formado e tive um esgotamento…blá, blá, blá, blá, blá…o meu pai para melhor sustentar a família saiu para a pesca do bacalhau…blá, blá, blá, blá, blá…uma vizinha diz que o meu pai morreu afogado, outra diz que o tem visto no Porto com outras mulheres…blá, blá, blá, blá, blá…fui pensar na vida e decidi salvar vidas em memória do meu pai…blá, blá, blá, blá, blá…o Neco disse-me que os bichos estavam possuídos e o meu pai preso numa cortina espiritual, e que o padre Rodolfo o pode fazer voltar!
Ao ouvir esta história Rodolfo pensa – O Neto só me lixa!
- E como se chama o teu pai? – Pergunta.
- Augusto, filho de José e de Maria!
Ao ouvir isto, Rodolfo fica atónito! Ele conhece muito bem Augusto dos clubes dançantes do Porto, ele conhece muito bem Augusto o ”Rebola a Bunda”.
-Meu rapaz, vai demorar tempo para salvar o teu pai e mesmo assim não sei se o consigo trazer de volta!
- Por favor Sr. Padre, por favor! – Implora Adélio.
- Bem…nos próximos dois dias não posso fazer nada, vamos receber muitos romeiros para rezar e prestar honra à Couve…Passa por cá depois! – Diz Rodolfo
- Obrigado Sr. Padre! Adeus! – Responde Adélio e feliz por ter os amiguinhos de volta ao mundo dos vivos despossuídos.
Com a felicidade, dá um abraço a Rubi e uma lambidela ao hamster que apanha uma cárie de Adélio e entra em coma nesse mesmo dia, morrendo à noite, rodeado pela família.

Nessa mesma noite, o padre Rodolfo iria sair. É “Special night” no “J.D.” e não entram velhas loiras com mais de setenta anos! Rodolfo sabe que vai encontrar Augusto o “Rebola a Bunda”.

(continua)

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Adélio Dani (15º episódio)

...
Nasce um novo dia.
Muito próxima de uma depressão nervosa, Dália saiu para o mercado com o arranjo de flores. Ao final da manhã, Adélio Dani acorda quando Rubi já brincava com o seu amigo hamster.
“Vou ver os pombos, os quatro fantásticos!” – Foi o primeiro pensamento de Adélio Dani. Sai da cama e aproxima-se da caixa, pousada em cima de uma cadeira, onde estão Perez, Eros, Matias e Manel, os quatro pombos fabulosos, oferecidos por Alfredo. Com muito cuidado levanta a tampa, para os pombos não fugirem quando repentinamente escapam quatros hamsters, que fogem pelo quarto fora e em sua perseguição seguem Rubi e o seu novo amigo, que também persegue os da mesma espécie!
Aflito, Adélio dá pulos de irritação enquanto grita: – Nãããããooooooooooooo!
Passados cinquenta e seis minutos, Rubi chega a casa e entra no quarto, com o seu amigo hamster ao lombo, mais os outros quatro, que após longa conversa, descobriram que tinham algo muito forte em comum, todos gostam de escrever!
- Rubi, meu amigo! – Diz Adélio, ofegante e preocupado.
- Au, au.
- Esses quatro hamsters que estão pendurados em ti eram pombos. Durante a noite foram transformados em ratos…esta casa está assombrada…temos que resolver isto! – Dita Adélio Dani.
- Auuuuuuuuuuuuuuuu! – Responde Rubi, mostrando sintonia com o seu amigo humano.
Adélio, Rubi e os cinco hamsters dirigem-se para a rua Joaquim Azevedo, ao encontro de Neto. Chegados à porta da garagem, um cartaz anuncia: “Neto, o vidente, adivinha o passado e o presente, por questões pessoais foi à Suíça, contrair matrimónio com uma vaca de tetas rijas. Regresso amanhã.”
- Que azar! Vamos embora! – Diz Adélio Dani.
Os sete regressam a casa e todos os barulhos que Adélio ouvia, desde o ranger da porta empenada até ao chiar das molas do seu colchão, associava a almas penadas.
Nasce um novo dia e como costume Dália é a primeira a sair e bate a porta. Com o barulho, Adélio acorda e pensa: “Os espíritos andam aí!” – Olha para o lado e vê Rubi e os hamsters a brincar. – “E a bicharada está possuída…tenho que fazer algo! É isso, vou dormir mais um bocadinho e depois vou ao Neto!”.
Mais tarde, acorda assustado, mas já sem sono, e a bicharada continua a brincar.
- Continuam possuídos, tenho que ir já para o Neto! – Diz corajoso.
Adélio Dani enceta caminho, enxotando a bicharada à sua frente. Chegados à porta da garagem, um cartaz anuncia: “Neto, o vidente, adivinha o passado e o presente. Já cheguei.”. Colada ao cartaz está uma fotografia do matrimónio, onde se vê Neto, de sorriso rasgado, com a sua vaca, e atrás, toda a família da noiva, tendo como cenário, os Alpes.
Adélio, Rubi e os hamsters entram. Ao centro, a mesma mesa de sempre com as mesmas cadeiras e ao fundo as mesmas motorizadas. Num canto da sala, uma novidade, uma cadeira em metal reforçado, onde estava Neto, sentado, com a sua amada ao colo. Foi este romantismo que seduziu Sissi, a vaca!
- Meu amor, tenho clientes! – Diz Neto.
- Muuuu! – Diz Sissi. Levanta-se do colo de Neto e vai para um anexo da garagem.
- Esperem um pouco! – Diz Neto a Adélio e à bicharada, enquanto estica as pernas.
Depois de restabelecida a circulação sanguínea nas pernas (não é fácil ter ao colo 6oo Kg de chicha), Neto dirige-se para a mesa ao centro da sala e senta-se.
- Tu outra vez, meu rapaz! – Diz Neto para Adélio sem tirar a sua expressão de extrema felicidade, com olhos esbugalhados e sorriso de orelha a orelha, que na Suíça lhe valeu a alcunha de Sapo Sorridente.
 - Sim Sr. Neto. Tenho um problema muito sério!
- Não me digas que aprendeste a nadar! – Diz Neto admirado, sem tirar a sua expressão de extrema felicidade!
- Pior, pior, pior, Sr. Neto, você nem imagina!
- O quê, seu rapazola? – Pergunta Neto extremamente exaltado e sentindo-se afrontado na sua competência, sem perder a sua expressão de extrema felicidade – Achas que eu não imagino?! Eu sou o Neto, o vidente! Percebes?!!!
- Desculpe Sr. Neto, eu não quis dizer isso, é óbvio que você imagina… - E é interrompido por Neto.
- Imagino o quê?! – Pergunta com violência e continuando: – Por acaso disseste-me o que vieste cá fazer? Achas-me bisbilhoteiro para saber da vida dos outros? – Termina, recuperando a expressão de extrema felicidade.
- Bem, o que me trouxe aqui Sr. Neto, é que a minha casa está assombrada e aqui o meu amigo Rubi e o amigo dele estão possuídos e os outros quatro ratos eram pombos campeões! – Explica Adélio Dani, prosseguindo: – Até desconfio, que o meu pai Augusto não tenha chegado a ir para a faina do bacalhau, porque os espíritos fizeram-no desaparecer!
- Estás tolo rapaz? – Pergunta Neto.
- Defina tolo!
- Pessoa mentalmente destrambelhada, capaz de fazer coisas estranhas! – Responde Neto, com a sua expressão de extrema felicidade, fruto do matrimónio com Sissi, a vaca.
- Acho que não, Sr. Neto! Sou um bocado destrambelhado e às vezes faço coisas estranhas, mas as duas coisas ao mesmo tempo, não! – Explica Adélio.
- Então podemos continuar com a consulta! – Diz Neto, mais sereno, com a expressão de Sapo Sorridente. Olha atentamente para a bicharada, e: – Parecem-me todos normais, não havendo sinais de fenómenos para além do normal! – E em pensamento, continua: “Tirando tu, seu anormal!”.
- Não, não! – E apontando para os bichos – Isto é um cão possuído! Isto é um hamster possuído! E isto são quatro pombos transformados em hamsters… - E é interrompido por Neto.
- E possuídos também!
- Não, não! São só quatro pombos transformados em hamsters! E como já lhe disse, o meu pai está preso por um espírito qualquer! Coitadinho!
-Bem, tenho que consultar o depósito de chapa, o meu “Oráculo”. – Diz Neto.
-Heinn! – Responde Adélio Dani.
Neto levanta-se e dirige-se para o fundo da garagem, onde tem as motorizadas encostadas, enquanto pensa: “Mais um que quer ouvir só o que lhe interessa”. Coloca o “quico” na cabeça, monta a Famel e durante breves momentos acaricia o depósito de combustível da motorizada! Desmonta a motorizada, saca de pente, penteia o cabelo para o lado e dirige-se novamente para a mesa, no centro da sala. Senta-se e diz:
-Tens toda a razão meu rapaz, a bicharada está toda possuída! – Diz Neto, com a expressão de Sapo Sorridente.
-Bem me parecia! E o meu paizinho, coitadinho! – Pergunta Adélio.
- Hi pá, esse…coitadinho… O teu pai está preso numa cortina espiritual que não o deixa ir para casa…mas ele está próximo!
-E agora Sr. Neto, como é que resolvo este problema?
-Só há um capaz de o fazer! – Diz Neto em tom solene, mas com uma expressão de extrema felicidade.
-Quem? – Pergunta Adélio Dani.
-O padre Rodolfo, da paróquia de Paranhos! O último grande exorcismo que fez foi a uma estátua que estava possuída no largo principal de Miragaia! Mas também me lembro dos tempos em que ele era defesa-central do Canelas F.C., e de forma magistral, despossuía os avançados, da equipa adversária, à sarrafada…que bonito!
Após a explicação Adélio levanta-se e:  – Bicharada, vamos! Até logo Sr. Neto.
-Até logo, o tanas! O meu pagamento? – Pergunta o Neto, com uma expressão de arreliado.
-Mas eu não tenho dinheiro!
-O quê? Seu estupor. Então vens a uma consulta altamente especializada, de elevada performance, que foi como assistir a uma peça de teatro…e não trazes dinheiro?! Fico com os pombos possuídos. – Ordena Neto.
Assim foi.
Adélio Dani já não precisava dos pombos possuídos para salvar vidas como nadador-salvador, porque afinal o seu pai estaria por perto e não teria morrido no naufrágio da traineira! Neto, no final da consulta, já estava cheio de saudades das tetas rijas de Sissi, e ia oferecer-lhe os quatro hamsters!

É meio da tarde, Adélio Dani tem uma ligeira ideia de que há missas ao final da tarde. Arrepia caminho com Rubi e o hamster e chega ao Largo Paroquial de Paranhos às 19h45m. Na porta da igreja, olha para o horário das missas e apercebe-se que está a decorrer uma, que tinha começado às 19h. “Deve estar a terminar, vamos entrar!” – Pensou Adélio Dani.


(continua)

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Adélio Dani (14º episódio)

...
Não muito longe, Augusto, pai de Adélio, cujo desaparecimento o incentivou à escolha de nadador-salvador, sai para mais uma noite de sedução e romantismo!
Abandona a casa de Lurdes, esfrangalhada de dor no peito. Augusto, impiedoso, bate a porta com um sorriso de “três dentes”, por mais uma mulher reduzida a quase nada pelo seu charme fatal. Lurdes, desesperada, tenta alcançar a mesinha de cabeceira onde guarda o aparelho da asma, doença que lhe provoca dores fortes na caixa torácica. No rés-do-chão, Augusto bate a porta do prédio e cantarola alto para não ouvir os gritos de um coração destroçado pelo amor, enquanto Lurdes chora por ter virado a última garrafa de whisky…Ia ter sair para comprar outra!
Augusto dirige-se para a danceteria “Arrasta o pé” e pelo caminho avisa o INEM do seu programa. Por precaução, é enviada uma ambulância com todos os meios técnicos de suporte de vida, que apanha Augusto pelo caminho, dando-lhe boleia até ao estabelecimento de diversão nocturna, cuja entrada é sujeita a rigorosos critérios de selecção. A fama e o charme nestes locais são tais, que Augusto entra de lado e ao pé-coxinho. A casa está cheia e o ambiente ao rubro, com muitas mulheres com mais de sessenta anos, de cabelos amarelos, postura formosa e pinturas carregadas, com um pormenor que Augusto apreciava…desesperadas. Na pista ouve-se Gianni Morandi!
Desce os dois degraus que dão acesso à pista. Faz uma vénia a todas as mulheres por quem passa e faz um esforço para não se assustar com as feições de algumas. Estrategicamente, coloca-se num sítio qualquer da pista e baloiça o corpo com um swing próprio de quem não faz ginástica há imenso tempo. Duas semanas antes, tinha recusado o convite de uma velha loira, num outro local, para dançarem agarradinhos, uma música da Mafalda Veiga, dizendo: – Agradeço o convite, mas não gosto destes rocks puxadinhos!
No final da música de Gianni Morandi, o DJ Costa Curta, faz uma passagem que faz dele um dos melhores na arte de passar música nas danceterias do Grande Porto…começa a tocar Vitor Espadinha. O mulherio, quase todas avós, levanta os braços no ar em total devaneio em devoção ao DJ, que nessa noite completa setenta e três anos. Augusto arrisca e mexe-se um pouco mais, fazendo por vezes um movimento sensual com a anca, enquanto passa a mão nos cabelos grisalhos. Ao mesmo tempo que faz um beicinho com os lábios…uma mosca passa-lhe ao lado, que ele afasta com um movimento de cabeça, o que Mila, uma senhora que estava ao fundo da disco e totalmente desconhecida de Augusto, encara como um sinal. Levanta-se e avança na pista, cheia e sufocante, em direcção a Augusto.
- Olá! – Diz Mila.
Augusto, que para se concentrar na sequência anca, mão no cabelo e beicinho, cerra os olhos, abre-os e diz:
- Olá, como está minha senhora? – Cumprimenta, educadamente.
- Bem, aliás, muito bem, com o seu chamamento!
- Chamamento?! Desculpe, mas que chamamento? – Pergunta Augusto.
- Então, o sinal que me fez com a cabeça para vir ter consigo.
Entretanto o DJ Costa Curta faz a passagem para o Quarteto 1111 e ouve-se a canção “El
Rey Dom Sebastião”.
- Estranho, porque eu não estava a vê-la!
- Então o Sr. não fez assim… com a cabeça? – E Mila repete o movimento.
- Ah, esse movimento! Desculpe, esse movimento não era para si, era para uma mosca!
Após este esclarecimento de Augusto, Mila, já com alguma idade, estatela-se no chão, fruto de uma quebra de tensão, mais uma, que lhe provoca desmaios regulares, devido à sua fraca alimentação, porque quer perder peso depressa sem recorrer ao concurso “Peso Pesado”.
-Poça, mais uma! Elas tombam como tordos…depois não querem que eu seja convencido! – Diz Augusto, baixinho, para si mesmo.
Augusto olha para fora da pista e seus olhos buscam Tito Morres, segurança do espaço e quando o avista faz-lhe um sinal com o polegar esticado e virado para baixo. Este sinal combinado entre Augusto e os seguranças das casas que frequenta significa “mais uma a quem deu uma fraqueza no coração e tombou aos meus pés, por me desejar mais que tudo e capaz de abandonar a casa de campo e as jóias e extremamente necessitada de auxílio técnico apropriado. Chamem a ambulância!”
Tito Morres já estava habituado àquele sinal desde que Augusto começou a frequentar o “Arrasta o Pé”! Segurança, com 72 anos, desloca-se o mais depressa possível até ao exterior da casa de diversão nocturna, lento, devido a uma zaragata que ocorreu três meses antes entre o Sr. Tavares, que sem querer, calcou com a sua bengala o Sr. Arménio, cuja reacção foi baixar-se de dores e sem intenção, deu uma cabeçada no peito do Sr. Tavares, que por sua vez, sem querer, projecta um pivô, que cai em cima do pescoço do Sr. Arménio, que ao sentir algo no pescoço ergue-se e, mesmo sem querer, dá uma cabeçada nos queixos do Sr. Tavares. Tito Morres, ao desapartar a zaragata, dá um jeito na coluna e ganha uma hérnia discal. Ainda hoje se mexe vergado e devagar e relembra: “pareciam dois galos pegados…completamente loucos!”
Chegado ao exterior, Tito Morres faz sinal com o polegar esticado e virado para baixo, aos paramédicos da ambulância do INEM. Estes imediatamente percebem a mensagem e vão em auxílio da nova presa de Augusto, que é transportada para o hospital e Augusto vai junto. Estava garantida mais uma noite debaixo de um tecto, desta vez numa enfermaria!

Nasce um novo dia.
Muito próxima de uma depressão nervosa, Dália saiu para o mercado com o arranjo de flores. Ao final da manhã, Adélio Dani acorda, quando Rubi já brincava com o seu amigo hamster.


(continua)

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Adélio Dani (13º episódio)

...
Com urgência, apresenta-se a necessidade de aprender a nadar. Adélio Dani começou a ler livros técnicos sobre a concentração de sal dos mares e aprendeu que para não se afogar, mesmo sem saber nadar, a salinidade do mar tem que ser superior a 55 %. Mares com estas características apenas se encontram em alguns locais do Médio Oriente e Ásia, mas Adélio ainda não se acha preparado para imigrar, nem mesmo para concretizar o objectivo de ser nadador-salvador… tem que arranjar outras alternativas.
- Au, au, au, au, au, au, auuuuuuu, au, au!
- É isso Rubi, perfeito! – Exclama Adélio Dani, que percebeu mal o latir do seu amigo.
Foi de imediato a casa de Alfredo, um columbófilo romântico de meia-idade, famoso por ter mais hamsters do que pombos.
Devido à sua fraca visão, Alfredo, por vezes (quase sempre) lança hamsters do cimo da sua garagem, com um papel atado à pata, dizendo-lhes: – “Ide e trazei novas da minha amada!”. A sua amada é um marco de correio, que um dia, estando ele um pouco bebido, associado à sua fraca visão, confundiu com uma mulher de vestido vermelho. Este amor foi separado à nascença! Alfredo conta que “os pais dela não permitiam e levaram-na para longe!”. Esta separação coincidiu com umas obras da Junta em que recolocaram o marco de correio no outro lado da rua…Alfredo nunca mais a viu!
Chegado a casa de Alfredo, Adélio chama-o insistentemente.
- Quem é? – Pergunta Alfredo.
- Sou eu Alfredo, o Adélio!
- Espera, estou a lançar um pombo com uma mensagem!
E cai um hamster aos pés de Adélio com um papel atado à pata, que é imediatamente perseguido por Rubi. Entretanto Alfredo aparece.
- Ah, Adélio “O promissor”… ainda me lembro de ti quando eras bebé! Fino como um pombo! O que queres?
- Preciso de um empréstimo teu…de pombos!
- Humm, pedido estranho, meu jovem!
- Explicado, não tem nada de estranho! Quero iniciar-me na actividade de nadador-salvador, mas, mas, mas, mas…! – E é interrompido por Alfredo.
- Mas não sabes nadar!
- Não…é essa a questão! Eu quero fazer uma coisa diferente, quero fazer salvamentos aéreos no mar! Se me emprestares alguns pombos, os mais fortes, prendo-os ao meu corpo e quando alguém se estiver a afogar eles levantam voo comigo e salvamos a pessoa…e nem me molho!
- Humm, realmente, explicado faz sentido! Vou buscá-los, espera aí.
Alfredo demora. Nesse tempo de espera caem mais três hamsters com papéis atados às patas. Uma hora depois:
- Desculpa a demora Adélio, tive que mandar uma mensagem…tinha muito a dizer!
- De nada, de nada, estás à vontade!
- Pega Adélio, – E passa-lhe uma caixa de cartão com alguns furos – Aí dentro estão os meus melhores pombos, quatro, ganharam as competições mais importantes! – E passa a descrevê-los - O Perez, um pombo chileno, ganhou o concurso de melhor voz; o Eros, é grego, ganhou uma prova internacional de levantamento do supino; o Matias foi participante finalista da “Casa dos segredos”(ainda não sabem que ele é um pombo) e o maior, o verdadeiro artista, o Manel, um pombo de Canelas, que detém o recorde mundial de mais tempo sem voar!…Nunca vi! Toma bem conta deles!
Adélio Dani recebe a caixa com os olhos humedecidos e os dois despedem-se. Adélio regressa a casa enquanto Alfredo foi escrever outra mensagem.
Chegado ao seu lar, Adélio pousa a caixa com os “famosos” e entretanto Rubi chega com o hamster no seu lombo. Após terem conversado, o cão e o gato, descobriram que tinham coisas muito fortes em comum e ficaram amigos. Um pouco mais tarde chega Dália a resmungar sozinha: – Há quase cinco anos a dar toques e retoques e o arranjo nunca está bem!  
Nessa noite, Adélio deitou-se cedo e adormeceu a pensar: “já tenho tudo para concretizar o meu sonho, nadador salvador…uau!” Deitados ao pé da cama, estão Rubi e o seu novo amigo.

Não muito longe, Augusto, pai de Adélio cujo desaparecimento o incentivou à escolha de nadador-salvador, sai para mais uma noite de sedução e romantismo!

(continua)

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Adélio Dani (12º episódio)

...
A viagem de regresso começa ao final da tarde. Quinze minutos depois chegam a casa. Dália ainda não chegou, Adélio Dani e Rubi esperam na soleira da casa.
Três horas depois, Dália chega.
- Mãããee, sou eu! Lembras-te do teu filho? – Diz Adélio de forma apoteótica e abraça-a.
- Claro que me lembro, tu és o meu filho! – Responde, espantada com a pergunta e dando umas palmadinhas nas costas.
- Mas o tempo mudou-me mãe! – Diz, alterando a voz para um tom mais compenetrado.
- Estás igual meu filho, cheiras é pior! Por onde andaste não tomavas banho?
- Tomava, mãe, quando chovia! – Responde, ainda agarrado à mãe, em tom melodramático.
- Então por onde andaste a precipitação era fraca. E aquele quem é? – Pergunta, apontando para o cão.
- É o Rubi minha mãe, ele é que mudou! Subiu ao pinheiro onde passámos quatro anos, preto, e desceu branco!
- Adélio, filho, e se me largasses? Vamos para dentro.
- Vamos mãe, tenho uma coisa importante para te contar!
- Não tenho jantar para vós. Não estava a contar!
- Não te preocupes, ainda temos bolachas!
Antes de ouvir as novidades do seu filho, Dália deu um valente banho aos dois. Adélio ficou bem cheiroso e Rubi perdeu a sujidade e já estava preto outra vez. Depois deu uma arrumação à casa, jantou e foi dar mais um jeito no arranjo de flores que andava a fazer desde há quatro anos. Para a cliente, o arranjo ainda não estava bem! No final foi à sala ter com o filho, que esperava, juntamente com Rubi.
- Então meu filho, queres-me contar as tuas férias? Estiveste fora, quê, duas semanas?
Rubi e Adélio olham um para o outro e Adélio responde:
- Mãe, eu estive quatro anos longe, nas terras além rua Torres Couto, em meditação profunda, no alto de um pinheiro…a pensar na vida! Decidi…vou ser nadador-salvador!
Dália levanta-se, vai ao quarto e regressa com três termómetros, mete um debaixo do braço de Adélio, enfia outro na boca de Rubi e enfia o último no seu ouvido. Passados cinco minutos, retira os termómetros e verifica a temperatura. Todos pareciam estar bem!
- Filho, pensei que aqui alguém estivesse doente ou choné da cabeça, mas não!!!! Tu queres ser nadador-salvador?! Depois de um início de vida brilhante…tu devias era estar-me a dizer que queres ser cientista da NASA, Presidente dos Estados Unidos da América…ou assistente do Manuel Luís Goucha…
- Mãe, a causa é pobre, mas nobre…o pai morreu afogado, eu quero salvar vidas no mar!
- A Mirinha ainda ontem me disse que o tem visto em Paranhos!
- E a dona Zulmira, enquanto esperava que chegasses, disse-me: “Coitadinho, perdeu o pai no mar”. – Retorquiu Adélio.
- Faz o que quiseres rapaz, vou dormir!
Dália dá um beijo no seu filho e vai-se deitar, a pensar: “Espero que desta vez o arranjo esteja bem, preciso daquele dinheiro para pôr umas unhas de gel”. Adélio Dani deitou-se a pensar nas palavras da mãe: “E se ela tem razão e o meu destino é ser importante?” E Rubi, para não tirar protagonismo a Adélio Dani, deita-se sem pensar em nada.

Nasce um novo dia e como de costume, bem cedo, Dália vai para o mercado. Já Adélio Dani acorda ao início da tarde, come uma bolacha e dá outra ao seu amigo Rubi. Após o almoço, arranja-se, faz um penteado a Rubi e comunica: – Rubi, hoje é o dia mais especial da minha vida, vai ser o tira-teimas: Ou vou para assistente do Nel Gócha, ou vou para nadador-salvador! Vamos à rua Joaquim Azevedo.
Saem de casa e encetam a caminhada. Chegados à rua Joaquim Azevedo, vão directos ao estabelecimento do vidente Neto, depois de passarem por uma pastelaria, onde Adélio foi urinar às escondidas, enquanto Rubi distraía o dono.
Entram. Ao centro, a mesma mesa com cadeiras, ao fundo, as mesmas três motas encostadas à parede mais a sua motorizada que lá tinha ficado quatro anos antes. Entre a mesa e as motorizadas estava Neto, enrolado numa vaca insuflável, que imitia “muuus”, comprada num salão erótico, e que diz, quando Neto lhe aperta as tetas: “Hola, yo soy Laura, una gran vaca, tira-me leche”.
Perante este cenário, Adélio e Rubi, não quiseram interromper e ficaram a ver! Duas horas depois, as pilhas da vaca acabam e esta deixa de falar. Neto, louco de desejo, sai de cima da vaca e monta a V50, de 1956, e aperta as manetes rijas da motorizada, enquanto sussurra: – Ai Laura, as tuas tetas! Uiiiiiiiiii! Adélio Dani, já cansado dos devaneios de Neto, estala os dedos, como vê os mágicos fazerem na televisão. Neto volta à realidade e exausto, vem a rastejar para a mesa, senta-se e diz:
– Estava à vossa espera!
- Ui, como é que sabia que vínhamos cá? Entrámos por acaso, viemos ver as montras e eu disse para o meu amigo: “Ah, já vimos tudo, vamos ali!”.
- Engano teu, rapaz, eu estou à espera de toda a gente, porque toda a gente entra uma segunda e terceira vez no meu estabelecimento do oculto, nunca uma primeira vez! Acabei com as primeiras vezes, são sempre chatas! – Diz Neto, em tom solene.
- Poça! – Exclama Adélio Dani, arregalando os olhos.
- Que queres saber, meu rapaz?
- Bem, é o seguinte…tenho dúvidas sobre que carreira profissional seguir… -E é interrompido por Neto.
- Espera, espera, se estás com dúvidas – e coloca as mãos na testa – aaahhhh…tu tens duas opções de escolha, pelo menos!
- É isso! – Diz Adélio entusiasmado e com a certeza de que veio ao sítio certo.
- Conta-me! – Diz Neto, abrindo os braços.
- Bem, tenho duas hipóteses, ou vou para assistente do Nel Gócha, ou vou para nadador-salvador!
- Sabes nadar? – Pergunta Neto.
- Não!
Neto, o vidente, levanta-se e dirige-se para uma das motorizadas que estão ao fundo da garagem! Coloca o “quico” na cabeça, monta a Famel e durante breves momentos acaricia o depósito de combustível da motorizada! Desmonta a motorizada, saca de pente, penteia o cabelo para o lado e dirige-se novamente para a mesa, no centro da sala, senta-se e diz:
- Não interessa, vais só para nadador, esquece o salvador. É preferível isso a trocares de roupa no mesmo camarim do Nel Gócha!
- Obrigadinho! Vamos Rubi.
- Vamos, o caneco, seu nabo, deixa a gratificação do Neto.
Como Adélio Dani não tinha dinheiro, tentou deixar três bolachas Maria, algo que Neto não aceitou. A solução, foi deixar os sapatos ortopédicos, herdados de Gonçalo há muitos anos atrás. Apesar de sair descalço, saiu com as ideias arrumadas. Iria ser nadador…salvador! O Verão estava a chegar.

Com urgência, apresenta-se a necessidade de aprender a nadar. Adélio Dani começou a ler livros técnicos sobre a concentração de sal dos mares e aprendeu que para não se afogar, mesmo sem saber nadar, a salinidade do mar tem que ser superior a 55 %. Mares com estas características apenas se encontram em alguns locais do Médio Oriente e Ásia, mas Adélio ainda não se acha preparado para imigrar, nem mesmo para concretizar o objectivo de ser nadador-salvador… tem que arranjar outras alternativas.
- Au, au, au, au, au, au, auuuuuuu, au, au!
- É isso Rubi, perfeito! – Exclama Adélio Dani, que percebeu mal o latir de Rubi.
Foi de imediato a casa de Alfredo, um columbófilo romântico de meia-idade, famoso por ter mais hamsters do que pombos.


(continua)

domingo, 13 de setembro de 2015

Sê interessante! Indigna-te!

Luís Vaz, um jovem adulto a rondar os quarenta anos, lembra-se perfeitamente de alguns episódios da pré-adolescência e adolescência, com um sorriso. Lembra-se da admiração que ele e os amiguinhos tinham por outro amigo, o Pedro Álvares, que quando se cruzava com uma miúda, como que por milagre engrossava a voz como se já tivesse vinte anos, quando ainda só tinham doze, e com a voz aguda e melada, dizia: – Olá!
De seguida, para os amigos, recuperava a voz fina e estridente e comentava: – Esta é que é boa!
Além do engrossamento de voz, outra característica que fazia a geração de Luís Vaz parecer interessante aos olhos das meninas, era ter os pais divorciados ou ter problemas com eles, e o píncaro do “puto” interessante era juntar um amigo drogado aos restantes problemas familiares.
Mas como diz o ditado, e com razão, “És mais velho, és interessante de outra forma!”, e se Luís Vaz quiser ser interessante, tem de…

Luís Vaz ia a caminhar pelo passeio, enquanto seus olhos admiravam o lado rural que a cidade ainda mantinha, e a sua cabeça entretinha-se a juntar letras e palavras. Este estado, muito natural em Luís Vaz, é interrompido por berros a uma só voz e buzinadelas insistentes com o mesmo tom!
Todo esse ruído vinha do único carro que fazia a avenida, com o seu condutor em fúria, espumando frases de indignação, pelo facto de ele achar que o Eusébio deveria ir para o Panteão Nacional!
Ao reconhecer a “figura”, Luís Vaz faz sinal de paragem e cumprimenta o seu amigo. Para o sossegar, comenta-lhe:
- Não te preocupes, Viriato, estão todos os partidos do arco do poder de acordo, é provável que ele vá para lá! Eu até acho que ele deveria ter sepultura no estádio da Luz!
- Então estás indignado?
- Não! – responde.
Viriato enlouquece novamente e arranca intempestivamente aos berros e com buzinadelas.
Um pouco abalado, Luís Vaz pára no primeiro café por onde passa, para tomar um e tentar recompor-se. Já sentado, vem a empregada, de sorriso cintilante e pergunta:
- O que deseja?
Não tendo coragem para dizer que a desejava, pede o que lhe levou lá.
- Bom dia! Quero um café.
- O QUÊ?!!! SEU CAPITALISTA NEO-LIBERAL E FASCISTA! “EU QUERO”, DIZES TU! SEU DESRESPEITADOR DA CLASSE OPERÁRIA!!!
Das mesas do lado, Luís Vaz, ouvia comentários das outras pessoas, do estilo, “Miúda interessante, está aqui para servir mas não perde a dignidade!”.
Sem saber como reagir Luís Vaz arrisca:
- Não se importa no exercício da sua função remunerada tirar-me um cafézinho?
A empregada, neste momento transformada em diabo indignado, mira-o por longos instantes e vai tirar o café.
Depois de servido apetecia-lhe uma bola de Berlim, que o “namorava” do expositor. Mas, na sua mente, sem encontrar palavras de sentido “uniquíssimo”, nem um modo que não desse azo a outras interpretações, decide virar costas ao bolo.
Com o desejo a consumi-lo, vai a uma grande superfície comprar um “pack” de quatro bolas de Berlim, sem correr riscos de ter de as pedir. Já na caixa, sem nada dizer, para não correr riscos, apresenta o produto à espera que a funcionária da caixa, de sorriso cintilante, lhe diga o preço. Em vez da conta, ouve de forma indignada:
- SEU PORCO MALCRIADO E FASCISTA,…”
Das pessoas atrás da fila, ouvia, “Sim senhora! Está aqui para servir mas não perde a dignidade!”.
Luís Vaz, atarantado, deixa dez euros na “caixa” e não espera pelo troco, tamanha era a vontade que tinha de sair depressa dali. Já no exterior da grande superfície, respira fundo. Quando desperta novamente para o que o rodeia, ouve barulho de gente que protestava indignada contra a fome em África e ao mesmo tempo fazia um peditório, patrocinado por ONG’s.
No meio desta balbúrdia, a pedir para combater a miséria de África, transformada em festa ruidosa, a atenção de Luís Vaz recai para um canto, onde está a Dona Ermelinda, senhora pobre, de cada vez mais parca reforma, que em idosa teve que se sujeitar à humilhação da mendicidade. Luís Vaz aproxima-se e partilha as bolas de Berlim com a dona Ermelinda. Ao serem avistados, possessas, as pessoas “indignadamente interessantes” da manifestação/peditório, vociferam-lhe:
- SEU VERME SEM PONTA DE INDIGNAÇÃO! SEU FASCISTA AMORAL! FAZ ALGUMA COISA PARA ACABAR COM A FOME NO MUNDO!
Luís Vaz “afasta-se”, sem perceber a lógica destes tempos!


…estar em constante estado de indignação!

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Adélio Dani (11º episódio)

...
Chega a casa por volta do meio-dia e recolhe-se no seu quarto. Pensa, pensa e ao fim de cinco minutos já dorme e sonha, sonha!
É um novo dia e Adélio Dani está decidido a pôr em prática tudo aquilo com que sonhou.
A primeira coisa que fez foi escrever uma carta para Rubi a pedir que voltasse, pois precisava dele com urgência. Rubi emigrou há uns anos atrás quando se apercebeu, antes de Dália e Adélio Dani, que Augusto, possivelmente, não voltaria da faina. Desde então, todos os meses, Rubi envia para casa três sacas de comida seca, Wiskas.
A segunda coisa a fazer é esperar que Rubi regresse. Isso acontece três dias depois, ao início da tarde.
- Rubi, meu amigo lindo, que saudades! – Diz Adélio Dani, abraçando o seu amigo canino.
- Au,au,au,au,au,au,au! – Ladra Rubi, enquanto prega umas lambidelas sentidas no seu amigo humano.
Após o reencontro, entram os dois em casa, e Adélio vai lavar a cara e mudar a t-shirt babada. Como não tem mais nenhuma lavada volta a vestir a mesma e regressa à sala onde está Rubi.
- Rubi, amigo, eu pedi-te para regressares com urgência, porque tenho uma coisa importante para te dizer!
- Auf, auf, auf!
- Já te digo! Estive a pensar na minha vida e não cheguei a decisão nenhuma, por isso tomei uma decisão!...Vou em retiro para o monte, e só saio de lá quando tiver tomado uma decisão bem decidida!
- Au, auuuuuuu!
- Preciso de ti porque tenho medo de ir para o monte sozinho…senão não ia…continuava indeciso! Bem Rubi, arrancamos amanhã, durante a manhã…só falta contar à minha mãe, digo-lhe antes do jantar!
- Au, au, au,au,au,au,au!
- Tens razão, conto-lhe depois do jantar e arrancamos amanhã, durante a tarde!
No final desse dia Dália chega a casa vinda do mercado, com flores nas mãos, para preparar um arranjo para entregar no dia seguinte.
- Olá Adélio, estás bom filho?
- Estou mãe, já viste quem está aqui?
- Ohh, um rafeirinho! Arranjaste um amigo novo?
- Não mãe, olha bem para ele!
E Dália fixa o focinho de Rubi e este, com a língua de fora, fixa a cara de Dália…e assim ficam. Criou-se um momento tenso. A última vez que Adélio Dani viu uma cena destas foi no cinema ao ver o filme “Duelo ao sol”, que terminou com um dos intervenientes alvejado. Com receio, decide intervir!
- Então mãe, não estás a reconhecer?
- Ui, é o Moreira?
- Não mãe! Anda lá, outra tentativa, eu dou-te uma ajuda, é um cão!
Repentinamente, Dália, exalta-se:
- O quê?! É o cão do teu pai, depois deste tempo todo…! E o bacalhau?
- Não, mãe, não! É o Rubi!
- Rubi!? Não me lembro!
- Então?! É o nosso cão que estava para fora e nos manda os sacos de comida seca!
- Por falar nisso filho, é o que tu vais comer hoje! Prepara o teu jantar, que eu tenho um arranjo para fazer para entregar amanhã!
Dália vira costas e vai tratar do arranjo, enquanto Adélio, juntamente com Rubi vão jantar um pratinho de comida seca. No final, vão à sala para Adélio falar com a mãe.
- Mãe, tenho uma coisa para te dizer!
- O que foi filho? – Diz Dália, enquanto continua a trabalhar no arranjo.
- Amanhã, durante a tarde vou para o monte…e o Rubi vai comigo!
- Está bem, mas anda a horas para o jantar!
- Não mãe, eu vou e só regresso quando decidir o que fazer na vida!!!
Dália, por momentos fica estática, volta-se para o filho e dá-lhe um abraço como se fosse o último…como se ele fosse embarcar para um planeta sem nenhumas condições para haver vida, e quando lá chegado, a nave explodisse, não dando mesmo hipótese de ele voltar caso ele sobrevivesse ao ar cem por cento irrespirável e às temperaturas de 5000 º c positivos ou negativos! Dália volta-se de novo para o arranjo.
 Nasce um novo dia em Campanhã.
Dália já saiu para o mercado, pois tinha que entregar o arranjo de flores bem cedo. Rubi está desperto à beira de Adélio Dani, à espera que este acorde. Acordou. Levanta-se e prepara o saco de viagem: Uma saca de plástico com dois pacotes de bolacha “Maria”!
- Rubi, estou pronto. Já é a parte da tarde do dia, portanto como combinado, podemos ir para o monte!
- Auuuuuuuuuuuuuuuuu!
E os dois arrancam e instalam-se no monte a oitocentos metros de casa. Sobem até ao ponto mais alto e montam uma cabana, encostada ao único pinheiro. Quatro paus ao alto e uma cobertura, pouco impermeável. Já instalados, sentam-se a contemplar a paisagem inspiradora: meia dúzia de eucaliptos e a alguma distância os prédios da cidade e as chaminés de algumas fábricas a libertarem fumo tóxico.
- Aqui, Rubi, vamos ter o sossego suficiente para eu pensar na minha vida! - Diz Adélio Dani, enquanto trinca uma bolacha “Maria” e dá outra a Rubi.
A noite cai, assim como os dois amigos, empurrados pelo sono. Ouvem-se os grilos, os passarinhos e um casal de namorados que escolheram aquele local para namorarem durante meia horinha!
Nasce um novo dia, e Adélio Dani e Rubi, em vez de serem acordados pelo chilrear dos passarinhos ou pelo uivo do vento a trespassar os ramos dos eucaliptos e do pinheiro, são acordados pelo barulho de máquinas.
- A Mãe Natureza está maluca! Que espécie de ave tem este cantar? – Interroga-se Adélio Dani.
- Aaaaauuu, aaauuuu! – Responde Rubi.
Adélio Dani abre melhor os olhos e apercebe-se de que aquele barulho estranho não é de um pássaro, mas sim de obras para a construção de um chalé, mais um, para o presidente da Junta de Miragaia, Venceslau Roma. Adélio abre ainda melhor os olhos e além dos trabalhadores, consegue ver o Presidente e o seu filho Venceslau Júnior a roçar o rabinho num Caterpillar.
Por um lado, Adélio ficou contente, porque afinal a Mãe Natureza não estava maluca, mas por outro lado:
- Rubi, assim não tenho o sossego e paz que preciso! Temos que subir mais alto.
No final desse dia desmontaram a cabana e subiram ao alto do pinheiro, remontando-a. Nesse mesmo final de dia a obra foi embargada.
Nasce um novo dia, Adélio Dani e Rubi são acordados pelo som de aves, cinco no total, um casal de melros e um casal de passarinhos, com o filho, que discutiam de forma brava, a pertença de um ramo, para a construção de um ninho.
- Isto sim, agora aqui no alto já não se ouve o barulho das máquinas! Apenas os sons harmoniosos da Mãe Natureza, como esta passarada! – Rejubila Adélio Dani, continuando: – Agora sim, posso pensar na minha vida em paz e sossego!
- Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu!
Os dois amigos entram num estado de espírito diferente, entram em meditação plena e o seu metabolismo é reduzido ao mínimo, tanto que uma bolacha “Maria” dá para cinco dias!

Os dias passam, as semanas passam, os meses passam…em Campanhã nada muda…
Estão passados quatro anos, e:
- Iupi, é isso! Descobri! – Berra de forma gloriosa Adélio Dani após despertar do transe/sono.
Com o susto, Rubi cai do ramo onde dormia. Aterra três ramos mais abaixo. Adélio com o auto-susto cai abaixo do pinheiro.
- Rubi, o que estás a fazer aí em cima? Desce amigo.
- Au,au,au,au,au!
- Já sei o que quero ser, vamos para casa para contar à minha mãe! – Olha para o saco da comida, e: - Ainda temos bolachas para a viagem, boa!
A viagem de regresso começa ao final da tarde. Quinze minutos depois chegam a casa. Dália ainda não chegou, Adélio Dani e Rubi esperam na soleira da casa.

(continua)

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Je suis Anjinho

Bem cedo, antes das oito da manhã, saio de casa. Destino? O costumeiro de segunda a sexta, o local de trabalho. Antes disso alguns procedimentos e  reacções habituais sucedem-se, começando pelo tocar do despertador, de seguida odeio-o por isso durante breves segundos, mas sem nunca me passar pela cabeça “desfazê-lo”, apenas por não me agradar, levanto-me e tomo o pequeno almoço. Até aqui, tudo dentro da legalidade, até ao momento em que saio de casa… continuo com o velho hábito conservador de trancar a porta e manter a minha casa protegida!
Como ando “desalinhado” da corrente imposta do “És Adulto Mas Tens Que Continuar a Acreditar no Pai Natal”, estou identificado pela PPC (Polícia do Politicamente Correcto), como prevaricador e tenho um agente à porta de casa a vigiar-me, como se deviam vigiar terroristas, a obrigar-me a cumprir a lei…ou seja, deixar a porta aberta, com consequências severas, mas só para mim, cidadão comum!
Ao final da tarde, no regresso a casa, ao passar junto da estação dos comboios, vejo um grupo de cidadãos romenos, adultos e crianças, daqueles que “trabalham” e lutam por uma vida melhor, mendigando e roubando, passando esse saber secular aos mais novos. Apesar de tudo, o meu sentimento “Tuga” de anjinho e de comiseração pelos desgraçados, fez-me soltar um condescendente, “Coitadinhos!”.
Chego a casa, estaciono, saio do carro e o agente da PPC olha-me como se olha para um malandro. Para não deixar dúvidas levanto o braço onde tenho um saco com algumas compras e digo-lhe, a medo, “Paguei tudo!”.
A única coisa boa de sair de casa e deixar a porta aberta é que quando chego não tenho trabalho a abri-la…nem os outros.
Entro e pouso as compras na cozinha. Vou para a sala e encontro um grupo, homem, mulher e crianças, todos morenos e feições bem diferentes das dos “meus”. O “à vontade” do grupo era tão grande, numa casa que não era a deles, que pensei que era a família do meu primo José Alberto, que ficam todos muito morenos no Verão. Perspicaz como sempre sou, para tirar dúvidas, disse – Ó José Alberto, tira os pés todos sujos de cima do sofá!
Perante a falta de resposta, noutro golpe de perspicácia, pensei, “Este não é o meu primo. E aquela mulher e as meninas, com lenço na cabeça, não são a mulher e as filhas!”
Nos tempos em que trancava a porta de casa, só lá entrava quem eu convidava e havia regras, em que eu tinha o dever de ser hospitaleiro e o convidado tinha que respeitar três regras básicas - não alterar a decoração de casa, não parti-la e respeitar quem lá vive…de resto, toda a diversidade era bem-vinda.
Ainda com alguns resquícios desses tempos, em que o meu sobrinho dentro de minha casa tirava o chapéu, pedi à senhora e ás meninas que tirassem o lenço. Gritaram coisas que não percebia e o homem atirou-me um bibelot, muito bonito, que tinha comprado no dia anterior, que só não me acertou na cabeça, graças à minha boa esquiva.
Saí de casa e contei o sucedido ao agente da PPC, que me respondeu – Claro, você insultou-o! Merecia era levar com uma pedra no meio da testa. A sua sorte é que são boa gente!
Regressei para dentro e com o passar do tempo sentia-me cada vez mais um estranho em minha casa. Os meus amigos deixaram de aparecer, primeiro aqueles que gostavam de falar livremente e com o tempo, todos os outros, não aguentando a aplicação da sharia (em minha casa) impondo comportamentos medievais e o tratamento subalterno dado ás mulheres da família lá instalada.
Queimaram os meus livros, partiram a televisão e o meu rádio, coisas do diabo! Agora passo o tempo a observá-los e a trabalhar para lhes dar de comer…é a vida!
A mulher deu novamente à luz, um rapaz, a alegria suprema do pai, já que as filhas eram peças acessórias usadas apenas para o servir! O agente da PPC, apressou-se a dizer que como a criança nasceu em minha casa, a minha casa ia passar a ser dela também.
- Vai ser educada por mim, segundo os Direitos Humanos Universais? – pergunto, para me certificar que a criança iria ter uma educação que validasse o sentimento de pertença ao sítio onde nasceu.
- Nem pensar, é árabe e muçulmano e vai ser educado de forma intolerante, como se vivesse na “casa” dos pais dele! – responde o agente.
Desgastado, vou para a varanda ver quem passa e avisto um amigo de infância, o Alain, que saúdo, com uma abordagem jovem:
- Olá Alain, tudo baril?
Antes de ouvir a resposta do meu amigo, sou puxado para dentro da sala pela família invasora, que me grita em uníssimo:
- TU DISSESTE QUE ALÁ É UM BARRIL??!!!

Sem direito a defesa fui condenado a mil chicotadas, aplicadas em suaves doses de cinquenta por semana…porque é tudo boa gente!
Je suis Anjinho,nous sommes Anjinhos!