...
A viagem de regresso começa
ao final da tarde. Quinze minutos depois chegam a casa. Dália ainda não chegou,
Adélio Dani e Rubi esperam na soleira da casa.
Três horas depois, Dália
chega.
- Mãããee, sou eu! Lembras-te
do teu filho? – Diz Adélio de forma apoteótica e abraça-a.
- Claro que me lembro, tu
és o meu filho! – Responde, espantada com a pergunta e dando umas palmadinhas
nas costas.
- Mas o tempo mudou-me
mãe! – Diz, alterando a voz para um tom mais compenetrado.
- Estás igual meu filho,
cheiras é pior! Por onde andaste não tomavas banho?
- Tomava, mãe, quando
chovia! – Responde, ainda agarrado à mãe, em tom melodramático.
- Então por onde andaste
a precipitação era fraca. E aquele quem é? – Pergunta, apontando para o cão.
- É o Rubi minha mãe, ele
é que mudou! Subiu ao pinheiro onde passámos quatro anos, preto, e desceu
branco!
- Adélio, filho, e se me
largasses? Vamos para dentro.
- Vamos mãe, tenho uma
coisa importante para te contar!
- Não tenho jantar para
vós. Não estava a contar!
- Não te preocupes, ainda
temos bolachas!
Antes de ouvir as
novidades do seu filho, Dália deu um valente banho aos dois. Adélio ficou bem
cheiroso e Rubi perdeu a sujidade e já estava preto outra vez. Depois deu uma
arrumação à casa, jantou e foi dar mais um jeito no arranjo de flores que andava
a fazer desde há quatro anos. Para a cliente, o arranjo ainda não estava bem!
No final foi à sala ter com o filho, que esperava, juntamente com Rubi.
- Então meu filho,
queres-me contar as tuas férias? Estiveste fora, quê, duas semanas?
Rubi e Adélio olham um
para o outro e Adélio responde:
- Mãe, eu estive quatro
anos longe, nas terras além rua Torres Couto, em meditação profunda, no alto de
um pinheiro…a pensar na vida! Decidi…vou ser nadador-salvador!
Dália levanta-se, vai ao
quarto e regressa com três termómetros, mete um debaixo do braço de Adélio,
enfia outro na boca de Rubi e enfia o último no seu ouvido. Passados cinco
minutos, retira os termómetros e verifica a temperatura. Todos pareciam estar
bem!
- Filho, pensei que aqui
alguém estivesse doente ou choné da
cabeça, mas não!!!! Tu queres ser nadador-salvador?! Depois de um início de
vida brilhante…tu devias era estar-me a dizer que queres ser cientista da NASA,
Presidente dos Estados Unidos da América…ou assistente do Manuel Luís Goucha…
- Mãe, a causa é pobre,
mas nobre…o pai morreu afogado, eu quero salvar vidas no mar!
- A Mirinha ainda ontem
me disse que o tem visto em Paranhos!
- E a dona Zulmira,
enquanto esperava que chegasses, disse-me: “Coitadinho, perdeu o pai no mar”. –
Retorquiu Adélio.
- Faz o que quiseres
rapaz, vou dormir!
Dália dá um beijo no seu
filho e vai-se deitar, a pensar: “Espero que desta vez o arranjo esteja bem,
preciso daquele dinheiro para pôr umas unhas de gel”. Adélio Dani deitou-se a
pensar nas palavras da mãe: “E se ela tem razão e o meu destino é ser
importante?” E Rubi, para não tirar protagonismo a Adélio Dani, deita-se sem
pensar em nada.
Nasce um novo dia e como
de costume, bem cedo, Dália vai para o mercado. Já Adélio Dani acorda ao início
da tarde, come uma bolacha e dá outra ao seu amigo Rubi. Após o almoço,
arranja-se, faz um penteado a Rubi e comunica: – Rubi, hoje é o dia mais
especial da minha vida, vai ser o tira-teimas: Ou vou para assistente do Nel Gócha, ou vou para nadador-salvador!
Vamos à rua Joaquim Azevedo.
Saem de casa e encetam a
caminhada. Chegados à rua Joaquim Azevedo, vão directos ao estabelecimento do
vidente Neto, depois de passarem por uma pastelaria, onde Adélio foi urinar às
escondidas, enquanto Rubi distraía o dono.
Entram. Ao centro, a
mesma mesa com cadeiras, ao fundo, as mesmas três motas encostadas à parede
mais a sua motorizada que lá tinha ficado quatro anos antes. Entre a mesa e as
motorizadas estava Neto, enrolado numa vaca insuflável, que imitia “muuus”,
comprada num salão erótico, e que diz, quando Neto lhe aperta as tetas: “Hola, yo soy Laura, una gran vaca, tira-me
leche”.
Perante este cenário,
Adélio e Rubi, não quiseram interromper e ficaram a ver! Duas horas depois, as
pilhas da vaca acabam e esta deixa de falar. Neto, louco de desejo, sai de cima
da vaca e monta a V50, de 1956, e aperta as manetes rijas da motorizada,
enquanto sussurra: – Ai Laura, as tuas tetas! Uiiiiiiiiii! Adélio Dani, já
cansado dos devaneios de Neto, estala os dedos, como vê os mágicos fazerem na
televisão. Neto volta à realidade e exausto, vem a rastejar para a mesa,
senta-se e diz:
– Estava à vossa espera!
- Ui, como é que sabia
que vínhamos cá? Entrámos por acaso, viemos ver as montras e eu disse para o
meu amigo: “Ah, já vimos tudo, vamos ali!”.
- Engano teu, rapaz, eu
estou à espera de toda a gente, porque toda a gente entra uma segunda e
terceira vez no meu estabelecimento do oculto, nunca uma primeira vez! Acabei
com as primeiras vezes, são sempre chatas! – Diz Neto, em tom solene.
- Poça! – Exclama Adélio Dani, arregalando os olhos.
- Que queres saber, meu
rapaz?
- Bem, é o seguinte…tenho
dúvidas sobre que carreira profissional seguir… -E é interrompido por Neto.
- Espera, espera, se
estás com dúvidas – e coloca as mãos na testa – aaahhhh…tu tens duas opções de
escolha, pelo menos!
- É isso! – Diz Adélio
entusiasmado e com a certeza de que veio ao sítio certo.
- Conta-me! – Diz Neto,
abrindo os braços.
- Bem, tenho duas
hipóteses, ou vou para assistente do Nel
Gócha, ou vou para nadador-salvador!
- Sabes nadar? – Pergunta
Neto.
- Não!
Neto, o vidente,
levanta-se e dirige-se para uma das motorizadas que estão ao fundo da garagem!
Coloca o “quico” na cabeça, monta a Famel
e durante breves momentos acaricia o depósito de combustível da motorizada!
Desmonta a motorizada, saca de pente, penteia o cabelo para o lado e dirige-se
novamente para a mesa, no centro da sala, senta-se e diz:
- Não interessa, vais só
para nadador, esquece o salvador. É preferível isso a trocares de roupa no
mesmo camarim do Nel Gócha!
- Obrigadinho! Vamos
Rubi.
- Vamos, o caneco, seu
nabo, deixa a gratificação do Neto.
Como Adélio Dani não
tinha dinheiro, tentou deixar três bolachas Maria,
algo que Neto não aceitou. A solução, foi deixar os sapatos ortopédicos,
herdados de Gonçalo há muitos anos atrás. Apesar de sair descalço, saiu com as
ideias arrumadas. Iria ser nadador…salvador! O Verão estava a chegar.
Com urgência,
apresenta-se a necessidade de aprender a nadar. Adélio Dani começou a ler
livros técnicos sobre a concentração de sal dos mares e aprendeu que para não
se afogar, mesmo sem saber nadar, a salinidade do mar tem que ser superior a 55
%. Mares com estas características apenas se encontram em alguns locais do Médio
Oriente e Ásia, mas Adélio ainda não se acha preparado para imigrar, nem mesmo
para concretizar o objectivo de ser nadador-salvador… tem que arranjar outras
alternativas.
- Au, au, au, au,
au, au, auuuuuuu, au, au!
- É isso Rubi, perfeito!
– Exclama Adélio Dani, que percebeu mal o latir de Rubi.
Foi de imediato a casa de
Alfredo, um columbófilo romântico de meia-idade, famoso por ter mais hamsters do que pombos.
(continua)
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