...
São quase onze da manhã,
Dália já tinha saído há muito para o mercado vender flores e Adélio Dani,
acorda estremunhado por um pesadelo no qual era uma cabine telefónica que apanhou
um vírus e só conseguia fazer chamadas locais!
À tarde, Adélio Dani vai
novamente passear para o monte, sozinho, e pela quinta vez consecutiva não
encontra o grupo de escuteiros. Decide deixar de ir para o monte para pensar na
vida. Quanto aos escuteiros, deixaram de rezar e enveredaram pelo mundo do
crime! Foram todos presos.
Passaram três anos. Um
dia, à noite, Dália desabafa com o filho:
- Adélio, filho, acho que
vou deixar de fazer o jantar para o teu pai! Ele nunca aparece!
- Realmente! Será que
aconteceu alguma coisa?
- Se calhar a traineira
naufragou, meu filho! Que chatice, estava a contar com umas postas de bacalhau!
– Exclama Dália, indo ao encontro do filho e abraçando-o.
Abraçado à mãe, Adélio
Dani, solta, de forma moderada, algumas lágrimas pela triste constatação do
desaparecimento do pai e de repente solta um berro vindo do fundo do seu ser e
exclama em choque:
- Quando mamã? Mas quando?
- E chora!
- O quê meu filho, o quê?
– Pergunta Dália.
- Quando? Quando é que eu
vou comer bacalhau…quando mamã…uaaaaaaaaaa, uaaaaaa! – E continua a chorar.
- Pronto filho, pronto! –
E para tentar distrair o filho – Já viste filho, como já tens um andar normal?!
Valeu a pena os sapatinhos ortopédicos do Gonçalo.
- Já, mamã? Achas? – Pergunta
Adélio, parando com a choradeira.
Dália não respondeu à
pergunta do seu filho, porque, de repente, lembrou-se que era pecado mentir e
desvia a conversa perguntando:
- Ó Adélio, a lua daqui é
a mesma de Barroselas? – Ainda hoje, Dália mantém esta dúvida e é assolada pelo
pensamento “Se não fosse o esgotamento que o meu Adélio teve aos cinco anos,
sabia-me responder!”.
Com a ausência do pai,
Adélio aproximou-se do seu tio Narciso, irmão de Dália, que assumiu, pouco a
pouco, a figura paternal.
Até a esse reencontro
entre Adélio e o Tio Narciso, eles não se viam há mais ou menos catorze, quinze
anos, apesar de Narciso viver num anexo, sem nexo, nas traseiras da casa onde
mora Adélio e a família.
Narciso passava longas
temporadas fora de casa. Viajava muito, ou para a baixa do Porto, ou para a
Foz, às vezes para a Rotunda da Boavista. Um dia até passou uns dias na Senhora
da Hora! Com ausências tão longas, Dália pensava que o irmão era comissário de
bordo e sabia que ele ainda era vivo, sempre que, de vez em quando, ouvia o
barulho da sua motorizada.
Quando Dália se apercebeu
que o marido não aparecia para o jantar, deixou um quadro com caixilharia em
madeira pintada de dourado e talhada em estilo Rococó, pendurado na porta do anexo do seu irmão, com a seguinte
mensagem: “Como é?! Está tudo? O teu cunhado não aparece em casa há três anos!
Não temos bacalhau”.
Um mês e duas semanas
depois, Narciso chega a casa vindo de viagem, da rua Vieira da Silva, paralela
à rua onde mora! Quando vê a mensagem, comove-se e pensa: “O quadro fica melhor
do lado de dentro da casa!”
No dia seguinte, Narciso,
vai a casa da irmã:
- Olélé, está alguém em
casa? – Pergunta Narciso, à porta da casa da irmã.
E aparece Dália, que se
preparava para sair.
- Olélé! – Repete Narciso.
- Ui, quem és tu?! – Pergunta
Dália.
- Moro ali, nas traseiras
da tua casa, sou o… - E é interrompido.
- Se moras ali atrás na
casa do meu irmão, então, tu és o meu irmão Baltazar?! Anda cá irmão,
abraça-me! – Diz Dália, comovida, avançando para Narciso, de braços abertos.
Narciso dá um passo para
trás, estranhando a situação, e diz:
- Ui, eu moro ali atrás,
mas sou Narciso! Não podemos ser irmãos!
Dália trava o avanço para
o seu irmão e exclama: – Aaahhh! – E grita: – Adélio, rapaz, anda cá fora!
Adélio aparece à porta,
estremunhado, revoltado e com as mãos nos genitais, por ter sido acordado e o
seu sonho erótico interrompido. Ia ser a primeira relação sexual consentida de
Adélio Dani.
- Que foi! – Pergunta
Adélio.
- Conheces este homem,
filho? – Pergunta Dália.
Adélio tenta arregalar os
olhos e – É o Sr. Dinis, da estamparia!
Narciso olha para trás,
para verificar se estariam a falar de alguém que não estivesse a ver.
- Ouça lá, o que faz na
casa do meu irmão Bal…? Dinis? Tu disseste Dinis, meu filho?
- Sim, mas se quiseres
digo outra coisa, mamã!
- Ora diz!
- Avestruz!
- Ui, o que é isso? – Pergunta
Narciso.
- É uma ave migratória,
que se desloca daqui para acolá, aos pulinhos, com as asinhas a dar a dar,
parecida com as pombinhas! – Explica Adélio.
Ao ouvir esta explicação
de Adélio Dani, o coração de Dália enche-se de comoção, pela possibilidade do
seu filho estar a recuperar a hiperdotação!
Entretanto, na rua passa a vizinha Zulmira, que cumprimenta os presentes:
- Olá Dália, bom dia.
Tudo bem Adélio? Então Narciso, está tudo? Já não te via há algum tempo! Vieste
visitar a tua irmã? – E prossegue rua abaixo.
- O quê, Narciso? Não és
Baltazar? Tu és o meu irmão Narciso e moras naquela casa?
- Sim, eu moro naquela casa
e se for Narciso, somos irmãos!
- Mano!
- Mana!
E os dois precipitam-se
um para o outro e abraçam-se!
Após o abraço afectuoso
entre os dois irmãos, Dália conta toda a história da sua família, desde a
última vez que se viram, na apresentação do trabalho de final de curso de
Adélio Dani, até ao desaparecimento de Augusto.
- Que triste história! – Desabafa
Narciso.
- É verdade mano, mas eu
lá me vou aguentando…o pior é o Adélio! Ele precisa de uma figura masculina, de
um segundo pai, e tu és o mais próximo!
- Mas mana, eu já não vos
via há muitos anos…sempre estive distante!
- Mentira, tu moras ali!
Distante era se morasses em Aljustrel! Não negues o destino!
Esta chamada de atenção
geográfica, tocou Narciso no coração. Adélio continuava à entrada de casa a
ouvir a conversa entre a mãe e o tio que desconhecia.
- Conta comigo, mana. Eu
vou ser o pai que aquele nabo não tem há três anos!
- Obrigado mano!
- De nada. Quando posso
começar?
- Já! – Diz Dália,
encolhendo os ombros.
- Rapaz, anda cá. Já! – Ordena
Narciso.
Adélio Dani, rapidamente
chega próximo do tio e leva numa primeira vaga, meia dúzia de tabefes, logo
seguidos de uma segunda vaga de chapadões e da primeira lição do tio: “Não há
duas sem três”, e leva com a terceira vaga de "landras"!
- Mas o que é que eu
fiz?! – Pergunta Adélio Dani.
- Ainda perguntas? – E
Narciso repete as três vagas em Adélio.
No final, Adélio Dani, para
não correr riscos, nada diz, apenas olha para o tio.
- E ainda olhas, seu
malandro?! – E Narciso termina com chave de ouro, a lição de que “não há duas
sem três”, e espeta a terceira vaga de três vagas de tabefes, chapadões e "landras".
- Muito bem! – Exclama
Dália.
Sentindo-se incentivado,
Narciso prossegue:
- Como é rapaz, estudas?
- Não! – Responde Adélio
a medo.
- Trabalhas?
- Não! – Responde Adélio
a medo e mais aninhado do que um cão.
- Então vai pedir, seu
inútil! – E Adélio Dani desaparece da vista do tio e da mãe.
O tempo passa e quando
esta relação estava mais forte do que nunca, Narciso continuava a pregar uns
açoites a Adélio por tudo e por nada, a tragédia aconteceu.
(continua)
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