...
Não muito longe, Augusto, pai de Adélio, cujo
desaparecimento o incentivou à escolha de nadador-salvador, sai para mais uma
noite de sedução e romantismo!
Abandona a casa de Lurdes, esfrangalhada de dor no peito.
Augusto, impiedoso, bate a porta com um sorriso de “três dentes”, por mais uma
mulher reduzida a quase nada pelo seu charme fatal. Lurdes, desesperada, tenta
alcançar a mesinha de cabeceira onde guarda o aparelho da asma, doença que lhe
provoca dores fortes na caixa torácica. No rés-do-chão, Augusto bate a porta do
prédio e cantarola alto para não ouvir os gritos de um coração destroçado pelo
amor, enquanto Lurdes chora por ter virado a última garrafa de whisky…Ia ter sair para comprar outra!
Augusto dirige-se para a danceteria “Arrasta o pé” e pelo
caminho avisa o INEM do seu programa. Por precaução, é enviada uma ambulância com todos os meios técnicos de suporte de vida, que apanha Augusto pelo caminho,
dando-lhe boleia até ao estabelecimento de diversão nocturna, cuja entrada é
sujeita a rigorosos critérios de selecção. A fama e o charme nestes locais são
tais, que Augusto entra de lado e ao pé-coxinho. A casa está cheia e o ambiente
ao rubro, com muitas mulheres com mais de sessenta anos, de cabelos amarelos, postura
formosa e pinturas carregadas, com um pormenor que Augusto
apreciava…desesperadas. Na pista ouve-se Gianni Morandi!
Desce os dois degraus que dão acesso à pista. Faz uma
vénia a todas as mulheres por quem passa e faz um esforço para não se assustar
com as feições de algumas. Estrategicamente, coloca-se num sítio qualquer da
pista e baloiça o corpo com um swing
próprio de quem não faz ginástica há imenso tempo. Duas semanas antes, tinha recusado
o convite de uma velha loira, num outro local, para dançarem agarradinhos, uma
música da Mafalda Veiga, dizendo: – Agradeço o convite, mas não gosto destes
rocks puxadinhos!
No final da música de Gianni Morandi, o DJ Costa Curta,
faz uma passagem que faz dele um dos melhores na arte de passar música nas
danceterias do Grande Porto…começa a tocar Vitor Espadinha. O mulherio, quase
todas avós, levanta os braços no ar em total devaneio em devoção ao DJ, que nessa
noite completa setenta e três anos. Augusto arrisca e mexe-se um pouco mais,
fazendo por vezes um movimento sensual com a anca, enquanto passa a mão nos
cabelos grisalhos. Ao mesmo tempo que faz um beicinho com os lábios…uma mosca
passa-lhe ao lado, que ele afasta com um movimento de cabeça, o que Mila, uma
senhora que estava ao fundo da disco e totalmente desconhecida de Augusto,
encara como um sinal. Levanta-se e avança na pista, cheia e sufocante, em
direcção a Augusto.
- Olá! – Diz Mila.
Augusto, que para se concentrar na sequência anca, mão no
cabelo e beicinho, cerra os olhos, abre-os e diz:
- Olá, como está minha senhora? – Cumprimenta,
educadamente.
- Bem, aliás, muito bem, com o seu chamamento!
- Chamamento?! Desculpe, mas que chamamento? – Pergunta Augusto.
- Então, o sinal que me fez com a cabeça para vir ter
consigo.
Entretanto o DJ Costa Curta faz a passagem para o
Quarteto 1111 e ouve-se a canção “El
Rey Dom Sebastião”.
Rey Dom Sebastião”.
- Estranho, porque eu não estava a vê-la!
- Então o Sr. não fez assim… com a cabeça? – E Mila
repete o movimento.
- Ah, esse movimento! Desculpe, esse movimento não era
para si, era para uma mosca!
Após este esclarecimento de Augusto, Mila, já com alguma
idade, estatela-se no chão, fruto de uma quebra de tensão, mais uma, que lhe
provoca desmaios regulares, devido à sua fraca alimentação, porque quer perder
peso depressa sem recorrer ao concurso “Peso Pesado”.
-Poça, mais uma! Elas tombam como tordos…depois não
querem que eu seja convencido! – Diz Augusto, baixinho, para si mesmo.
Augusto olha para fora da pista e seus olhos buscam Tito
Morres, segurança do espaço e quando o avista faz-lhe um sinal com o polegar
esticado e virado para baixo. Este sinal combinado entre Augusto e os
seguranças das casas que frequenta significa “mais uma a quem deu uma fraqueza
no coração e tombou aos meus pés, por me desejar mais que tudo e capaz de
abandonar a casa de campo e as jóias e extremamente necessitada de auxílio
técnico apropriado. Chamem a ambulância!”
Tito Morres já estava habituado àquele sinal desde que Augusto
começou a frequentar o “Arrasta o Pé”! Segurança, com 72 anos, desloca-se o
mais depressa possível até ao exterior da casa de diversão nocturna, lento,
devido a uma zaragata que ocorreu três meses antes entre o Sr. Tavares, que sem
querer, calcou com a sua bengala o Sr. Arménio, cuja reacção foi baixar-se de
dores e sem intenção, deu uma cabeçada no peito do Sr. Tavares, que por sua
vez, sem querer, projecta um pivô, que cai em cima do pescoço do Sr. Arménio,
que ao sentir algo no pescoço ergue-se e, mesmo sem querer, dá uma cabeçada nos
queixos do Sr. Tavares. Tito Morres, ao desapartar
a zaragata, dá um jeito na coluna e ganha uma hérnia discal. Ainda hoje se mexe
vergado e devagar e relembra: “pareciam dois galos pegados…completamente
loucos!”
Chegado ao exterior, Tito Morres faz sinal com o polegar
esticado e virado para baixo, aos paramédicos da ambulância do INEM. Estes
imediatamente percebem a mensagem e vão em auxílio da nova presa de Augusto,
que é transportada para o hospital e Augusto vai junto. Estava garantida mais
uma noite debaixo de um tecto, desta vez numa enfermaria!
Nasce um novo dia.
Muito próxima de uma depressão nervosa, Dália saiu para o
mercado com o arranjo de flores. Ao final da manhã, Adélio Dani acorda, quando Rubi
já brincava com o seu amigo hamster.
(continua)
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