domingo, 26 de abril de 2015

Passeio a Santo Tirso

Era final de tarde...de sexta feira.
Chegado a casa do trabalho, olho à minha volta com as mãos à cintura e naturalmente esboço um sorriso rasgado, só para um dos lados, como quem teve uma trombose, mas no meu caso num sinal de malandrice e libertinagem que ainda mantenho aos 41 anos e penso, “Ainda és um rebelde, Velhinho! Vai dar um passeio.”
Terminado o pensamento e quando ia dar uma borrifadela de perfume o telefone toca e do outro lado perguntam se já cheguei a casa.
- Sim! – respondo.
- E vais sair?
E sem me dar algum tempo para responder, a Cristina diz-me para estender uma bacia de roupa e repete a pergunta:
- Vais sair?
Respondi que não, com o mesmo sorriso rasgado só para um lado, com a malandrice pura de quem tem segredos e desliguei.
Depois de estender a roupa que mascarou o meu segredo preservando a minha integridade moral, saio de casa.
Entro no carro e começa aquilo que começou várias vezes durante o dia, a chover. Arranco e sigo na minha rua sem saber para onde ir. Entreguei-me ao destino, com o sorriso rasgado só para um dos lados, e lembrei-me que destino rima com casino - “É isso, vou ao casino da Póvoa.”, pensei, mas quando me preparava para dar o pisca para a esquerda, espirro e salivo o vidro sobre o lado direito, ´”É isso, vou para a direita!”, repensei, e dou o pisca para a direita e uma placa dizia “Santo Tirso”... lá fui.
Apesar de todos os sinais de rebeldia até ao momento, ir a Santo Tirso, para mim, não é um sinal de ir ao encontro do desconhecido. Estudei lá, dos 14 anos até aos 16, e de vez em quando continuo a lá ir.
Chegado ao meu destino, estaciono o carro no lugar de quase sempre, no parque da Câmara Municipal e quando desligo o carro, lá em cima também se desligou algo e parou de chover. Olho para o meu guarda-chuva e fico a pensar, “Levo-te ou não?!”.
Com aquele sorriso, que já sabem, num sinal de audácia ou tremenda estupidez, digo-lhe – Vais ficar. – e saio do carro sem nenhum sítio para onde ir, a ideia era apenas passear.
Santo Tirso, desde os meus tempos de estudante, mudou a um ritmo menor do que o meu passo arrastado  para fazer horas. E esta razão a par da recuperação do casario antigo, mantem a cidade pitoresca e aberta, cheia de jardins.
Num momento do passeio recomeça, aquilo que practicamente não deixou de acontecer durante o dia, a chover.
- Afinal fui estúpido! – digo baixinho a lembrar-me do guarda chuva no carro.
Atravesso a rua e entro na pastelaria mais conhecida lá do sítio a “Moura”, onde toda a gente vai comer “Jesuítas” e eu tomar café.
Por detrás do balcão as três senhoras do costume,entradotas na idade, cabelo armado pela melhor laca e com um sorriso de meninas que imagino ser o mesmo de há décadas atrás.
Antes de me sentar fui à casa de banho fazer uma coisa. Quando saí, perante a sala vazia, tive dificuldade em escolher uma mesa, gosto bem mais de cafés cheios, apenas com uma ou duas mesas de vago.
Uma quarta senhora, entradota de idade, mas mais nova do que as outras, esperou que eu parasse de deambular por entre as mesas, o que aconteceu quando me sentei na mesa ao lado da de uma miúda gira, que entretanto tinha chegado.
Pedi um café que me foi servido e enquanto o tomava, como a miúda gira não olhava para mim, perdi-me a olhar para as três senhoras mais velhas por detrás daquele balcão.
À minha frente, as cores começaram a mudar, para o preto e o branco, o balcão ficou antigo e por detrás dele estavam três meninas, certamente com menos de 20 anos, que, pelo sorriso, reconheci serem as senhoras, entradotas de idade, que pouco antes lá estavam. A miúda gira desapareceu e cá fora continuava a chover e apenas dois carros antigos estacionados. Via-se gente apressada a passar, eles, todos, de chapéu na cabeça e muitos de fato, cujos modelos só vejo em fotografia. No salão, um corropio de gente a entrar e a sair, onde todos se cumprimentavam com protocolo e faziam vénia às senhoras como manda (ou mandava) a boa educação. As mulheres não tinham tempo para ficar, mas eles, principalmente os que entravam de fato, todos eles cinzentos, tentavam um lugar ao balcão, para ficarem perto das meninas, que se riam com o que eles diziam e lhes lançavam sorrisos. Após o café, as meninas, com jeito para o negócio e sabendo os rapazes encantados, perguntavam:
- E então, não come um “Jesuíta”?
Rendidos diziam que sim, alguns, vi, a contarem os trocos sem darem nas vistas, não tivessem de dizer:
- Obrigado, mas agora não...estou cheio!
Com o olhar mais atento, em momentos diferentes, entraram três rapazes, para quem cada uma delas, sem perder o sorriso e as gargalhadas, o olhar se rendeu...mais nenhum rapaz ou senhor, que entrasse naquele salão, teria hipóteses com aquelas raparigas por mais “Jesuítas” que comessem!
Desviando o olhar do que acontecia à minha frente olhei cá para fora, quando o último dos três rapazes saiu. Tinha parado de chover.
Quando devolvi o meu olhar para o interior, o balcão era outro e com cor  e atrás estavam as três senhoras, entradotas na idade, e na mesa ao lado a miúda gira sem o sal daquelas velhinhas, cujas gargalhadas pararam no tempo, como a cidade.
Levantei-me, sem olhar para a miúda gira, e ao pagar o café, alguém entra e o olhar da senhora que me está a atender, rendeu-se. Ao virar-me para sair, vejo um senhor antigo, com a mesma postura do último rapaz que vi a sair!
Cá fora, apresso o passo em direcção ao carro enquanto não chove...e recomeça a chover. Entro, olho o guarda-chuva e antes de arrancar em direcção à Trofa a uns delinquentes 50 km/hora, alheio a qualquer lençol de água, refaço a mim mesmo a pergunta – Audaz ou estúpido?

Num passeio normal com rebeldia faz de conta, houve um momento mágico!

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