...
Nessa mesma noite, o
padre Rodolfo iria sair. É “Special night” no “J.D.” e não entram velhas loiras
com mais de setenta anos! Rodolfo sabe que vai encontrar Augusto o “Rebola a
Bunda”.
São
21horas, o padre Rodolfo está em frente ao espelho. Já penteou o cabelo e
chegou creme à cara, só lhe falta o adereço que o torna irreconhecível: um foco
pendurado na orelha esquerda! Eis o Alex!
São 21h45m, Alex chega ao “J.D.” e há grande confusão à
entrada! Martim, o porteiro (há mais de cinquenta anos), tem que pedir o
“Cartão do Cidadão” às senhoras que na sua maioria estão na fronteira dos setenta
anos!
Alex entra, dá uma vista de olhos e não vê Augusto,
apenas nove senhoras, que falsificaram o “Cartão do Cidadão”, para poderem
participar nestas noites longas e loucas!
Às 22 horas, com a falta de clientela, Martim suspende a
selecção e o espaço de diversão nocturna enche num ápice.
A abertura da pista dá-se ao som de “Cinderela” de Carlos
Paião e a seguir o DJ Matos, começa a bombar com os “Gipsy Kings”. Entre as
músicas “Jobi Jobá” e “Maria Dolores”, chega Augusto o “Rebola a Bunda”, de
costas e aos pulos! Todas as mulheres apreciavam o rabo de Augusto…e ele sabia
disso!
Próximo do bar da entrada, Augusto avista Carol, uma
senhora viúva e de posses, que o tinha convidado para sair. Augusto tinha
negado, dizendo que nessa noite não ia sair, por motivos de doença!
Rapidamente vira a cara e segue para o lado oposto da
danceteria. Sem saber, estava a ser seguido por Alex.
- Augusto, Augusto! - Chama Alex.
Augusto pára e olha para trás – É você Alex? Como está?
- Bem, obrigado! Tenho que falar consigo! – Diz Alex. –
Vamos para aquela mesa.
Os dois vão para uma mesa, num canto onde podem conversar
com alguma privacidade.
- Tenho algo para lhe revelar! – Diz Alex. De repente e
sem aviso prévio tira o foco da orelha esquerda!
- O quê?! Não posso crer! Padre Rodolfo??!! – Exclama
Augusto, torrencialmente espantado!
- Sim Augusto, sou eu! Tal como o Augusto, também gosto
de arrastar a perna pelas pistas de dança! Mas tenho que me disfarçar, a igreja
não permite e é por isso que uso esta “capa”! – Explica Rodolfo enquanto segura
o foco na mão, e prossegue: – Você compreende-me Augusto, também sou um sedutor
das pistas de dança!
- Que estranho! – Exclama Augusto – Mas a igreja permite
que os padres tenham “sobrinhas” e “afilhadas”…. hi, hi, hi…
- Estranho é o que tenho para lhe dizer! Está preparado?
- Eh pá, não sei! Se for para ir jogar à bola, agora,
não! Não trouxe equipamento, e mesmo que tivesse não dava, já não aguento noventa
minutos a correr, agora faço treino específico para duas horas de dança
seguidas! – Responde Augusto.
- Poça, duas horas
a dançar?! Muito bom! E aguenta??
- Não. Por enquanto só vinte minutos! – Esclarece. – Mas é
para jogar à bola?
- Antes fosse uma peladinha, Augusto! Andam à tua
procura!
- Elas…humm! Mas qual é a novidade? Às vezes tenho que
fugir…eu sei que sou perseguido! Não me deixam em paz, mas também são o meu
modo de vida! – Diz Augusto enchendo o peito e esvaziando-o lentamente.
- Quem te procura Augusto, é o teu filho, o Adélio! – Diz
o padre Rodolfo em tom dramático.
- O meu filho! – Diz Augusto pensativo, enquanto olha
para o ar.
Augusto começa a rebobinar o filme da sua vida. Vai-se
lembrando dos relacionamentos tidos até aquele momento e parece-lhe impossível!
Muitas das mulheres maduras com quem se tinha relacionado, a natureza já lhes havia
fechado a torneira da procriação faz tempo e as raras que estavam ainda no
limiar do “procrio não procrio” afinal também não contavam porque a fraca
ereção de Augusto não lhe permitia consumar o acto devidamente, por causa dos
problemas de próstata, embora Augusto sempre se desculpasse com um “Não me
atrais. Vestida és uma coisa, tiras o soutien ficas outra!”
O flashback
ainda não tinha terminado e quase perdida no baú das recordações aparece-lhe a
memória de Dália, sua mulher, de Adélio Dani, seu filho e do Rubi, o cão amigo!
- Caramba, ao fim de tantos anos! O que é que ele quer?!
– Pergunta Augusto.
- Foi uma surpresa saber que o “Rei das pistas” tem um
filho! Ele pensa que o Augusto está preso no mundo do além, numa espécie de
cortina espiritual e pediu-me ajuda para o trazer para o mundo de cá! – Explica
o padre Rodolfo, que entretanto coloca o foco luminoso na orelha, antes que
seja descoberto.
- O rapaz tem cada uma! Nunca mais foi o mesmo depois do
esgotamento que teve aos seis anos! – Diz Augusto.
- Mas o que vos aconteceu no passado? – Pergunta, o agora,
Alex.
Augusto recorda o que queria ter enterrado para sempre –
Há muitos, muitos anos, depois de o meu filho ter acabado os estudos
superiores, deu-lhe um esgotamento, tinha ele seis anos! A partir daí, a nossa
vida começou a andar para o lado…
- Para trás. – Interrompe o Alex.
- O quê? – Pergunta Augusto.
- É para trás que se diz, para trás. - Corrige Alex.
- Não, não, a vida começou a andar para o lado. Eu ia para
o trabalho de mota com o Tino, mas ele comprou um carro e comecei a ir ao lado
dele. Na mesma altura, na traineira, acabaram com os beliches e começamos a
dormir ao lado uns dos outros e…esta… custa…participei numa prova de atletismo
para veteranos e pensei que tinha ficado em segundo, mas…o photo-finish mostrou que fiquei em primeiro, lado a lado com o
outro primeiro!
- Aaahhh, e depois? – Pergunta Alex.
- Um dia decidi ir para mais longe para melhor sustentar
a família! Decidi ir para a faina do bacalhau! Na madrugada seguinte tentei
acordar o meu filho e a minha mulher para me despedir e eles…e nem um beijo,
continuaram a dormir! Não aguentei tamanha indiferença e não embarquei…comecei
a viver à custa das mulheres! – Relata Augusto, com o semblante triste.
Alex levanta-se e antes de partir faz um ultimato a
Augusto: – Nunca se atreva a fazer-me o mesmo, nunca pense em acordar-me de
madrugada! – E vai.
Augusto atarantado com as novidades, levanta-se e vai
para o meio da pista onde, alheio ao mulherio, aplica um novo passo de dança: o
movimento “broca” ao som de Jean Michel Jarre.
Nesta mesma noite e não muito longe, no salão de jogos de
um café havia a reunião dos líderes do novo partido político de esquerda, com
liderança repartida por todos os elementos, cinco, que desenhavam a estratégia
para as próximas eleições da Junta de freguesia de Campanhã.
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