sábado, 12 de janeiro de 2013

Era uma vez a minha rua.


Na minha adolescência, festejei apenas uma vez o S. João…sempre gostei de movimento, mas nunca de confusão!
No final dessa noitada, já de manhã e com o sol a brilhar, na altura da despedida dos amigos, um deles, chamemos-lhe Rocha, diz: – Agora vou pintar as grades das escadas, lá de casa!
Todos viraram costas a caminho das suas camas a pensar “coitado” e eu pensei o mesmo…no entanto, digo-lhe: – Rocha, vou ajudar-te!
Ao chegar à casa do Rocha e ver a extensão das grades, apercebi-me que íamos ter trabalho para todo o dia! Arrependi-me pela segunda vez nas últimas doze horas…a primeira foi a própria noitada… confusa!
Chegado o final do dia, o arrependimento transformou-se em satisfação, por ter ajudado um amigo! Sensibilizado, o Rocha convida-me para morar com ele! Olhei para ele desconfiado, mas rapidamente as más ideias que me estavam a passar pela cabeça foram postas de lado. Afinal o Rocha é mecânico, tem as mãos sujas de óleo e muda calços de travões…é muito macho!
Agradeci-lhe e disse que não, como os ingleses à moeda única, e expliquei-lhe que gostava dele como amigo, mas éramos muito diferentes para vivermos juntos!
Fui para casa, que fica na ponta da Rua Europa, como Portugal, e onde tenho como vizinho o Sr. Henrik, um simpático Alemão que se apaixonou por Portugal, há 29 anos atrás!
Mal abro a porta, dirijo-me para o quarto, onde caio esmagado pelo peso do sono! Tinha de descansar…no dia seguinte iria ajudar o Sr. Henrik a cortar madeira, para a sua lareira.
O dia seguinte, depois da cooperação entre mim e o simpático Sr. Henrik, terminou com uma festinha na casa da dona Amélia, que convidou toda a vizinhança!
Houve muita gargalhada e discussão! Achávamos piada a algumas características de uns e outros e dizíamos com franqueza: – Não conseguia viver contigo!
Nessa noite, quando todos foram para suas casas e se deitaram, durante o sono, algo inexplicável aconteceu!
Acordei bem cedo e espreitei à janela. As casas da Rua Europa tinham desaparecido e dei por mim dentro de um palácio!
Olá! – ouço atrás de mim. - É o Sr. Henrik. - Depois aparece a dona Amélia, depois outro vizinho, e outro…todos os moradores da Rua Europa estavam naquele palácio!
Sem encontrar explicação e com as casas desaparecidas, achámos boa ideia vivermos naquele casarão…afinal, havia espaço para todos!
Aparece um senhor, o mordomo do palácio, de aspecto austero que nos distribui pelas divisões da casa. Não foram distribuídas de igual forma, o Sr. Henrik teve direito a cinco divisões, a Dona Amélia, a três,…, e a mim coube-me apenas um pequeno quarto, mas limpo, quentinho e confortável. Chegava-me!
A primeira noite no palácio foi cor-de-rosa, estávamos todos juntos no mesmo espaço e sentíamos-nos seguros…apesar de alguns ruídos e hábitos.
Com o passar do tempo, o que no início era aceitável, começou a tornar-se um dor de cabeça!
Eram os roncos do Sr. Henrik durante o sono; era a vaidade da Carolina, que ninguém tirava de frente do espelho da casa de banho, o que impedia o Sr. Augusto dar livre curso às suas constantes descargas intestinais, motivada por uma fluidez fora do habitual; era o cheiro a tabaco espalhado pelo palácio, deixado pelos fumadores inveterados da casa; era a luta na hora das refeições, porque uns comiam mais do que outros… enfim… a discórdia começou a instalar-se no palácio da Rua Europa!
Como bom moço, ia aceitando tudo e todas as diferenças…mas aquele dia!
Nesse dia, o mordomo do palácio, de aspecto austero, entra no meu quarto onde tinha acabado de fazer a cama e alinhado as almofadas decorativas em forma de losango!
- Não pode ser! – diz-me o mordomo – As almofadas têm que estar em forma de triângulo cateto! Assim fiz, sem saber muito bem porquê!
No dia seguinte iria novamente colocar as almofadas em forma de losango e o mordomo, austero, determinar, outra vez, a colocação, desta vez em forma de triângulo obtuso!
Apesar das diferenças entre os moradores do palácio e os diferentes tratamentos, não conseguia mais permitir que o mordomo, de aspecto austero, entrasse no meu pequeno quarto e me impedisse de colocar as almofadas como eu queria!
No dia X, às Y horas abandono o palácio. Na Rua Europa, onde existiam casas com gente, há agora o palácio e se eu olhar para a ponta Este da rua vejo várias casas…de gente pobre ou remediada, que não fazia parte do nosso grupo!
A minha casa, onde eu determinava os hábitos e as regras, tinha desaparecido! Com umas tábuas, que estavam na rua, fiz um barraco ao lado do palácio…não tinha dinheiro!
Vi-me pobre e frustrado, a ter que começar tudo de novo, mas consciente que tenho que levar a vida que posso e não viver a vida dos outros!
Na primeira noite no barraco tive um pesadelo, sonhei com a Integração, quando vivi com toda a gente da Rua Europa na mesma casa! De manhã acordei a pensar o quanto era bom quando cada um vivia em sua casa e nos ajudávamos uns aos outros, em Cooperação!

Quando tiver dinheiro, vou comprar almofadas e decorar a minha cama como eu quero!
Na porta da casa preguei o poema “Cântico Negro”, para não me esquecer… 

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