sábado, 3 de agosto de 2013

Daniel, o vampiro (parte II).

Foi por mero acaso que eu e o António encontrámos o Daniel, já que quando foi eleito Presidente da Junta deixou o seu emprego e assim perdemos um bom colega e a sua freguesia ganhou outro político.
Corrosivo e directo o António pergunta:
- Então Sr. Engenheiro, tens feito o que prometeste?
- Tudo, tenho cumprido com tudo, António! – Responde o Daniel firme como uma rocha e prossegue:
 – Agora sou o Sr. Doutor, se não te importares!
- Mostra-me as tuas veias! – ordena o António.
Daniel levanta a manga da camisa e o seu braço está todo picado.
Desde que foi eleito, as hemodiálises políticas (troca de sangue bom por sangue corrupto) passaram de quinzenais para semanais, tornando o Daniel comparável a um dinossauro autárquico, em cara de pau e pouco amigo da verdade.
Políticos como o Daniel, que não são genuinamente malandros, mas sujeitos a estas hemodiálises por parte do aparelho partidário, têm todos um ponto fraco. Da mesma forma que os vampiros fogem da cruz ou se escondem da luz do dia, Daniel tem pavor e evita os pombos a todo custo. Estas aves amorosas, que confundem o meu carro com uma sanita, são dotadas de uma especial sensibilidade para detectar políticos vampiros e quando os sentem próximos arrulham constantemente, até estes se afastarem: “Cucurruuuuuupto, Cucurruuuuuupto, Cucurruuuuuupto, Cucurruuuuuupto,…”!
Desde que fez a primeira hemodiálise política, Daniel evita parques e praças, e sempre que, por obrigação, se desloca a estes locais públicos e cheios de pombalhada, não dispensa segurança reforçada, armada de fisgas para afastar os pombos!
Atento aos sinais das aves, o eleitorado vai interpelando o Sr. Presidente da Junta sempre que pode, e certo dia, os 100 metros percorridos a pé, de casa até à Sede da Junta, revelam o sangue que corre em Daniel quando este é interpelado pela Dona Albertina:
- Oh Sr. Presidente, o senhor disse que a primeira coisa que ia fazer na freguesia era uma piscina…e nada! É que nem as obras começaram!
- Dona Albertina, a senhora anda desatenta! A piscina na freguesia já está feita… é na minha casa! – responde o Daniel, com um sorriso na boca.
- Mas pensei que era pública! – exclama a senhora.
- E é! – contra exclama o Sr Presidente.
- Então posso ir para lá com o meu netinho?! – pergunta a Dona Albertina, entusiasmada com a ideia.
- Não, Dona Albertina, eu e a minha família prezamos muito o recato do nosso lar! O que é publico é poderem ver a piscina. Se a senhora e o seu netinho quiserem vê-la, põem-se em cima da lomba que mandei fazer em frente a minha casa, para os carros passarem mais devagar, e vê-se perfeitamente!
- E o jardim exótico que ia construir?! – quis saber a Dona Albertina.
- Mais uma promessa cumprida, comigo é assim.
- E aonde é que está?! – quis saber a querida senhora.
- Na frente da minha casa tenho a piscina, nas traseiras, tenho o jardim! – clarifica o Daniel
- E é publico? Para ir passear com o meu netinho?
- É…a vista! Também se vê muito bem as copas das árvores em cima da lomba!...É que eles passavam muito depressa em frente a minha casa, percebe?! Tenha uma boa tarde Dona Albertina
Um pouco mais à frente Daniel encontra o Cajó, um jovem com problemas de rendimento escolar detectado na pré-escola, mas avispado com as miúdas.
- Oh Sr. Presidente, quando é que põe net grátis na Junta, para nós irmos para lá, como prometeu?
- Pois é jovem, mas já temos net! – responde o Daniel.
- Na Junta?!!! – pergunta o Cajó.
- Não, meu jovem! Mandei instalar provisoriamente, em fase de teste, em minha casa durante o meu mandato!
- Então posso ir para sua casa? – pergunta Cajó, entusiasmado.
- Hummmm, é melhor não! Até mais logo meu jovem, és o futuro da freguesia! – despede-se o Daniel.
Quase a meter o pé no edifício da Junta, o Presidente é interpelado pelo Sr. Augusto, um reformado de 67 anos:
- Bom dia Sr. Presidente! Estamos a um mês da colónia para a terceira idade na praia de Labruge. Vai-me fazer bem, estou a precisar de apanhar sol! – diz entusiasmado.
Esta foi talvez a promessa eleitoral mais valiosa em campanha, que agarrou o voto da terceira idade, com o apoio do padre da paróquia. Sendo o Sr. Augusto uma pessoa respeitável que vive a sua própria vida e avesso a tagarelices, Daniel vê nele a pessoa certa para desabafar:
- Sr. Augusto, essa promessa não vou poder cumprir! O dinheiro destinado para a colónia investi-o numas férias paradisíacas com a minha mulher! Estamos a passar uma fase má, e estas férias maravilhosas vão acalmar o casamento! Compreende, não compreende?
O Sr. Augusto afasta-se sem lhe responder e nunca mais lhe dirigiu a palavra.
O tempo foi passando e as obras na freguesia iam sendo feitas, apesar de ninguém as ver…até àquele momento!
Na última hemodiálise política, por negligência trocaram o lote de sangue, tendo sido usado o que lhe foi retirado na primeira. Aos poucos o seu sangue foi-se “honestizando” e ele foi-se apercebendo de todo o mal que fez e de todo o bem que não fez!

Foi entregar-se à GNR, sem evitar atravessar a praça da freguesia, cheia de pombos, de cabeça erguida!

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