Há uns anos atrás, aliás, há
uns bons anos atrás, ainda no tempo do escudo e ainda não se imaginava que ele
iria acabar, estava eu numa loja dos “Trezentos”, onde, coerentemente, tudo era
vendido a trezentos escudos, e encontro numa estante, uma cestinha com um cacto
e uma flor ao módico preço de cento e cinquenta escudos.
- O preço está certo? –
pergunto à menina que está por detrás do balcão, na esperança de que ela dissesse
que tinha havido um engano e que tudo era a trezentos.
- Sim, sim, é esse o preço. –
responde-me.
A minha vontade imediata foi
abandonar a loja…nunca gostei de incoerências. Para isso, que se chamasse loja
dos “Preços variados até trezentos escudos”, mas em vez disso, fui assaltado
por um rasgo de romantismo juvenil e comprei o cestinho, tão bonito…e
baratinho.
Fui oferecê-lo à minha
namorada, de sorriso na cara!
- Toma, é para ti! – digo, com
um tom de voz pró-melado e de braço estendido com o cestinho bonito e
baratinho, na esperança de resgatar um beijo apaixonado!
- Que feio! – responde-me.
Compreendo que o cestinho,
olhando bem para ele, era mais barato do que bonitinho, mas não era preciso
tamanho realismo!
Naquele momento precisava de
um amigo, daqueles a quem oferecemos coisas e está tudo bem, porque o que conta
é a intenção e logo depois esquecemos a prenda e perdemos-nos a falar de miúdas
e algum futebol.
Anos mais tarde, a namorada
tornou-se esposa, admirável pela postura, pelo realismo, que faz com que não
confunda as prioridades e não se zangue se me esqueço do seu aniversário…porque
para ela, mais importante do que as datas, é o dia-a-dia!
Ufa, ainda bem, porque nunca
me lembro do seu aniversário, nem mesmo do meu, que me é recordado pelo
telefonema da minha mãe, desejando-me os parabéns e fazendo-me lembrar que a
minha existência é das coisas mais importantes para alguém!
Como tal, não temos datas,
ansiosamente esperadas, como se não houvesse antes e depois desse dias
especiais…
Mas…há um dia no ano, em que
ela me diz: – Sabes que dia é amanhã?
Esse dia de amanhã, é o dia do
nosso casamento, que sei que é em Setembro, mas não me lembro do dia, apenas
sei que é no dia seguinte ao dia em que me diz: – Sabes que dia é amanhã? – que
de forma inteligente relembra, evitando dramas!
Mas é precisamente aqui que o
meu drama começa. Se a Cristina, mesmo sem lhe dizer nada, acerta naquilo que
quero, ou preciso, as minhas escolhas costumam ser um tiro ao lado, que a
psicanálise explica pelo trauma que vivi na adolescência, com a compra de um
cesto com um cacto e uma flor, por cento e cinquenta escudos, numa loja dos
trezentos, para oferecer a uma miúda com bom gosto! Foi a tempestade perfeita, que
muitos, por muito menos se metem na droga.
Mas desta vez, quando diz a
frase que insinua que amanhã fazemos anos de casados, estamos em frente a uma
loja de malas. Fina como o Rato, aponta para a estante principal e diz: – Gosto
muito daquela mala!
Ouço e comento com os meus
botões: - É desta que vou acertar.
Sossegado ,iria passar na loja
no dia seguinte, porque a estante estava cheia de malas iguais e todas…brancas!
Ah, é hoje! No fim do trabalho
passo na loja e digo à senhora, apontando para a estante – Quero uma mala
branca!
Sem eu perceber patavina, a
senhora da loja em vez de tirar a que está mais à mão, tira a terceira mala, a
contar da esquerda, da terceira prateleira!
Ao pôr a mala num saco, eu
peço: – Embrulhe, por favor!
Dirijo-me para casa, com um
sorriso de orelha a orelha. Quando chego a Cristina já está pronta para
sairmos…vamos jantar fora.
- Morzinho, isto é para ti!
Ela sorri, adivinhando que a
prenda é a mala que ela apontou na montra da loja.
- Pousa a prenda no quarto.
Abro quando chegarmos! – diz-me
Possuido de ansiedade por,
pela primeira vez em dezassete anos desde a loja dos trezentos,acertar numa
prenda oferecida à minha mulher, peço-lhe: – Abre agora, abre, abre!
Perante a insistência ela tira
o embrulho da saca, abre-o, e: – A mala é bonita, mas não era esta que eu
queria! – diz-me.
- Ui, mas é a mala branca que
apontaste na montra da loja!
- Eu apontei para a mala
branco pérola, que estava ao lado da mala branco sujo, na quarta prateleira…tu
trouxeste-me a mala branca!
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