domingo, 13 de outubro de 2013

Politicamente (in)correcto.

Zé Nabo é um homem responsável, que zela pela família e tenta transmitir os mesmos valores que recebeu de seu pai, o respeito pelos outros e a ter uma vida honesta, sem enganos. Abomina de tal forma a mentira, que ainda hoje tem dificuldades em adormecer, pelo facto de um dia um estranho lhe perguntar o caminho para o registo civil e ele dizer para seguir em frente e virar à direita na quarta rua, quando deveria virar na quinta.

Como pensa que um país é como uma casa, e vendo o que se passa com o seu, de fronteiras escancaradas, sempre que sai de manhã com a sua família, fecha as janelas e tranca a porta.
Num fim de tarde, quando chega a casa com a família e está a abrir a porta, é interpelado por Álvaro, dirigente de uma ONG, de barba, cabelo despenteado e camisola de bico com um padrão aos losangos, que se faz acompanhar de um “farrapo”, nitidamente consumido pela droga.
- O senhor é o dono desta casa? – Pergunta em tom arrogante.
- Sim! – Responde Zé Nabo, admirado com a intervenção daquele estranho.
- Pois é! Está a ver este jovem? – Pergunta, apontando para o toxicodependente.
- Simmm!
- Ele, hoje, tentou assaltar a sua casa, mas como vocês têm tudo fechadinho, ao forçar a janela o vidro partiu e cortou-se na mão. Teve que receber tratamento hospitalar! – Diz Álvaro, irritado.
- Ui, é melhor chamar a polícia! – Diz a Sra. Maria Nabo, assustada com a ideia de intrusos no seu lar.
- Polícia, minha senhora?! Os senhores vão é pagar os tratamentos deste jovem desgraçado e não fosse o seu bom coração, iriam ter problemas em tribunal!

Depois de entregar o dinheiro do tratamento e de pedir desculpas, para evitar danos psicológicos no toxicodependente, entra em casa atordoado com a bizarria da realidade.
Sem jantar, vão todos dormir, porque certamente estavam a ter um sonho colectivo e o melhor sítio para o viver é na cama e pela manhã ao despertarem, tudo teria passado!
Uma hora depois de o novo dia ter começado na casa do Zé Nabo, toda a família sai aprumada. Zé Nabo fecha a porta à chave e ao dirigirem-se para o carro, a família ouve:
- Com que então a trancarem a porta?! É mesmo para complicar a vida aos desgraçadinhos…bando de insensíveis!
Quando Zé Nabo, a esposa e os dois filhos olham na direcção da voz, vêm Álvaro e são puxados para o mundo real, que lhes tinha parecido um sonho, no dia anterior!
- Mas o que é que o senhor quer? – Pergunta Zé Nabo, num misto de irritação e desapontamento.
Na realidade, Álvaro, queria manter o “tacho” que lhe dava alguma importância na ONG, porque nunca se conformou com o trabalho apagado, mas sério, na fábrica onde trabalhava.
- A sua família está referenciada como “desconfiada” e …”racista”! – Determina Álvaro.
- Desconfiada e racista?!!! Eu tranco a casa para proteger o que é meu!
- Não, não! O senhor tem maus instintos ao querer complicar a vida dos mais necessitados! – Diz Álvaro, prosseguindo – Quer que outro drogadinho aleije a mãozinha ao entrar em sua casa? Por que razão quer complicar o assalto dos ciganinhos, para lhe roubarem a roupa, para venderem na feira, ah? Só quer que a sua vida corra bem? E os ilegais, sem emprego?! Como quer que comam se lhes tranca a casa?
- Mas a casa é minha?!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- ABRA JÁ A CASA, PARA OS DROGADINHOS E AFINS, SEU INGRATO…E PONHA-SE A ANDAR. – Ordena Álvaro, com o corpo esticadinho.
Num instante, como quem recebe a ordem de uma patente militar superior, abre a casa e ausenta-se, desta cena de filme, com a família.
À noite, chegados a casa, ouvem imenso barulho. Quando entram na sala, está acampado um clã cigano a festejar um casamento, avançam na casa e os quartos estão tomados por ilegais africanos, e de leste, e sul-americanos…, na casa de banho encontraram mortos-vivos de seringas penduradas nos braços. Na casa, o único espaço de vago é a cozinha e é de lá que telefonam à polícia de onde respondem:
- Caro senhor, compreendo a sua preocupação, mas da parte da tarde recebemos uma chamado do Sr. Álvaro, a transmitir que “desgraçadinhos coitadinhos” encontraram a dispensa fechada! Tivemos que ir aí arrombá-la. Para a próxima deixe tudo aberto, Sr. Zé Nabo, poupa trabalho a todos. – Responde o comissário de serviço.
A família Nabo, instala-se na cozinha e tenta adormecer depressa, com o desejo, mais forte do que nunca, de que tudo aquilo seja mesmo um sonho.
Pela manhã, em vez de acordarem ao som do despertador, acordam sobressaltados com os berros de uma mulher, a gritar- SANGUE! SANGUE! SANGUE!...
Zé Nabo, abre uma frincha na porta da cozinha e vê, a correr pelo corredor, uma cigana de idade, com um lençol manchado de vermelho. Volta a fechar a porta e virado para a família, diz – Não morreu ninguém, a noiva era virgem! Vamos embora depressa!
Saídos de casa, a vontade era a de regressar o mais tarde possível. Só quando já não aguentam o frio da noite, regressam a casa. A algazarra continua, e os Nabos seguem o corredor directos ao único espaço que não está tomado, a cozinha. Estranhamente, por cima da porta está instalado um reclame luminoso com caracteres esquisitos!
Zé Nabo abre a porta e vê meia dúzia de chinocas a bater umas cartas e uma roleta a girar na marquise…a cozinha está transformada em casino. Zé Nabo olha para trás e das paredes do corredor desapareceram as fotografias de família e dos seus antepassados. Roubaram a sua história e agora sem espaço para eles, sentem-se uns estranhos na própria casa! Foram dormir para o quintal.
No dia seguinte o ritual desta estranha realidade, repetiu-se. A família saiu logo pela manhã e Zé Nabo apercebe-se da presença de Álvaro, que pergunta a alguém:
- Estão a ser bem tratados?
Ao qual, esse alguém responde – Os donos da casa olham para nós com cara de esquisitinhos!
- Pois é! Depois não querem que vocês sejam uns revoltados…discriminados desta maneira! Mas a minha ONG está aqui para vos proteger. – Conclui, seguro, Álvaro.
Nessa noite, quando chegam a casa, os Nabos, arriscam espreitar se têm um lugar na própria casa. Quando entram no corredor, vive-se um ambiente de guerra, pelos desentendimentos de pessoas tão diferentes. Assustado com o cenário, quando antes os desentendimentos naquela casa, eram meras discussões porque deixava um chinelo fora do sítio ou um raspanete aos miúdos, Zé, mais num acto irreflectido do que racional, grita – PAREM! Saiam já da minha casa.
De inimigos, os ocupantes da casa unem-se e “apertam” a família Nabo, que sentindo-se ameaçada, consegue escapar para dentro da dispensa, levando consigo um livro de história!
- O que vamos fazer? – Perguntam os filhos.
Zé Nabo abre o livro e lê-lhes “…confinados a um buraco na montanha, lutaram, liderados por Pelágio, rechaçando o inimigo ocupante. Desta maneira se formou o Reino das Astúrias e se iniciou a Reconquista Cristã, isto é, a recuperação dos territórios em poder dos Muçulmanos. A Reconquista cristã, durou oito séculos, cheios de guerras, mas também de periodos de paz.”

Cinco dias depois, os Nabos, liderados por Zé, já controlavam a dispensa, a cozinha e os quartos, vivendo neste momento um período de relativa paz com os ciganinhos, ocupantes da sala, e com os toxicodependentes, ocupantes da casa de banho. Álvaro, para manter o “tacho” na ONG, é agora um acérrimo defensor dessa minoria…os Nabos!

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