Zé Nabo é um homem responsável, que zela pela família e
tenta transmitir os mesmos valores que recebeu de seu pai, o respeito pelos
outros e a ter uma vida honesta, sem enganos. Abomina de tal forma a mentira,
que ainda hoje tem dificuldades em adormecer, pelo facto de um dia um estranho
lhe perguntar o caminho para o registo civil e ele dizer para seguir em frente
e virar à direita na quarta rua, quando deveria virar na quinta.
Como pensa que um país é como
uma casa, e vendo o que se passa com o seu, de fronteiras escancaradas, sempre
que sai de manhã com a sua família, fecha as janelas e tranca a porta.
Num fim de tarde, quando chega
a casa com a família e está a abrir a porta, é interpelado por Álvaro,
dirigente de uma ONG, de barba, cabelo despenteado e camisola de bico com um
padrão aos losangos, que se faz acompanhar de um “farrapo”, nitidamente
consumido pela droga.
- O senhor é o dono desta
casa? – Pergunta em tom arrogante.
- Sim! – Responde Zé Nabo,
admirado com a intervenção daquele estranho.
- Pois é! Está a ver este
jovem? – Pergunta, apontando para o toxicodependente.
- Simmm!
- Ele, hoje, tentou assaltar a
sua casa, mas como vocês têm tudo fechadinho, ao forçar a janela o vidro partiu
e cortou-se na mão. Teve que receber tratamento hospitalar! – Diz Álvaro,
irritado.
- Ui, é melhor chamar a
polícia! – Diz a Sra. Maria Nabo, assustada com a ideia de intrusos no seu lar.
- Polícia, minha senhora?! Os
senhores vão é pagar os tratamentos deste jovem desgraçado e não fosse o seu
bom coração, iriam ter problemas em tribunal!
Depois de entregar o dinheiro
do tratamento e de pedir desculpas, para evitar danos psicológicos no toxicodependente,
entra em casa atordoado com a bizarria da realidade.
Sem jantar, vão todos dormir,
porque certamente estavam a ter um sonho colectivo e o melhor sítio para o
viver é na cama e pela manhã ao despertarem, tudo teria passado!
Uma hora depois de o novo dia
ter começado na casa do Zé Nabo, toda a família sai aprumada. Zé Nabo fecha a
porta à chave e ao dirigirem-se para o carro, a família ouve:
- Com que então a trancarem a
porta?! É mesmo para complicar a vida aos desgraçadinhos…bando de insensíveis!
Quando Zé Nabo, a esposa e os
dois filhos olham na direcção da voz, vêm Álvaro e são puxados para o mundo
real, que lhes tinha parecido um sonho, no dia anterior!
- Mas o que é que o senhor
quer? – Pergunta Zé Nabo, num misto de irritação e desapontamento.
Na realidade, Álvaro, queria
manter o “tacho” que lhe dava alguma importância na ONG, porque nunca se
conformou com o trabalho apagado, mas sério, na fábrica onde trabalhava.
- A sua família está referenciada
como “desconfiada” e …”racista”! – Determina Álvaro.
- Desconfiada e racista?!!! Eu
tranco a casa para proteger o que é meu!
- Não, não! O senhor tem maus
instintos ao querer complicar a vida dos mais necessitados! – Diz Álvaro,
prosseguindo – Quer que outro drogadinho aleije a mãozinha ao entrar em sua
casa? Por que razão quer complicar o assalto dos ciganinhos, para lhe roubarem
a roupa, para venderem na feira, ah? Só quer que a sua vida corra bem? E os
ilegais, sem emprego?! Como quer que comam se lhes tranca a casa?
- Mas a casa é minha?!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
- ABRA JÁ A CASA, PARA OS
DROGADINHOS E AFINS, SEU INGRATO…E PONHA-SE A ANDAR. – Ordena Álvaro, com o
corpo esticadinho.
Num instante, como quem recebe
a ordem de uma patente militar superior, abre a casa e ausenta-se, desta cena
de filme, com a família.
À noite, chegados a casa,
ouvem imenso barulho. Quando entram na sala, está acampado um clã cigano a
festejar um casamento, avançam na casa e os quartos estão tomados por ilegais
africanos, e de leste, e sul-americanos…, na casa de banho encontraram
mortos-vivos de seringas penduradas nos braços. Na casa, o único espaço de vago
é a cozinha e é de lá que telefonam à polícia de onde respondem:
- Caro senhor, compreendo a
sua preocupação, mas da parte da tarde recebemos uma chamado do Sr. Álvaro, a
transmitir que “desgraçadinhos coitadinhos” encontraram a dispensa fechada!
Tivemos que ir aí arrombá-la. Para a próxima deixe tudo aberto, Sr. Zé Nabo,
poupa trabalho a todos. – Responde o comissário de serviço.
A família Nabo, instala-se na
cozinha e tenta adormecer depressa, com o desejo, mais forte do que nunca, de
que tudo aquilo seja mesmo um sonho.
Pela manhã, em vez de
acordarem ao som do despertador, acordam sobressaltados com os berros de uma
mulher, a gritar- SANGUE! SANGUE! SANGUE!...
Zé Nabo, abre uma frincha na
porta da cozinha e vê, a correr pelo corredor, uma cigana de idade, com um
lençol manchado de vermelho. Volta a fechar a porta e virado para a família,
diz – Não morreu ninguém, a noiva era virgem! Vamos embora depressa!
Saídos de casa, a vontade era
a de regressar o mais tarde possível. Só quando já não aguentam o frio da
noite, regressam a casa. A algazarra continua, e os Nabos seguem o corredor
directos ao único espaço que não está tomado, a cozinha. Estranhamente, por
cima da porta está instalado um reclame luminoso com caracteres esquisitos!
Zé Nabo abre a porta e vê meia
dúzia de chinocas a bater umas cartas e uma roleta a girar na marquise…a
cozinha está transformada em casino. Zé Nabo olha para trás e das paredes do
corredor desapareceram as fotografias de família e dos seus antepassados. Roubaram
a sua história e agora sem espaço para eles, sentem-se uns estranhos na própria
casa! Foram dormir para o quintal.
No dia seguinte o ritual desta
estranha realidade, repetiu-se. A família saiu logo pela manhã e Zé Nabo
apercebe-se da presença de Álvaro, que pergunta a alguém:
- Estão a ser bem tratados?
Ao qual, esse alguém responde
– Os donos da casa olham para nós com cara de esquisitinhos!
- Pois é! Depois não querem
que vocês sejam uns revoltados…discriminados desta maneira! Mas a minha ONG
está aqui para vos proteger. – Conclui, seguro, Álvaro.
Nessa noite, quando chegam a
casa, os Nabos, arriscam espreitar se têm um lugar na própria casa. Quando
entram no corredor, vive-se um ambiente de guerra, pelos desentendimentos de
pessoas tão diferentes. Assustado com o cenário, quando antes os
desentendimentos naquela casa, eram meras discussões porque deixava um chinelo
fora do sítio ou um raspanete aos miúdos, Zé, mais num acto irreflectido do que
racional, grita – PAREM! Saiam já da minha casa.
De inimigos, os ocupantes da
casa unem-se e “apertam” a família Nabo, que sentindo-se ameaçada, consegue
escapar para dentro da dispensa, levando consigo um livro de história!
- O que vamos fazer? – Perguntam
os filhos.
Zé Nabo abre o livro e lê-lhes
“…confinados a um buraco na montanha, lutaram, liderados por Pelágio,
rechaçando o inimigo ocupante. Desta maneira se formou o Reino das Astúrias e
se iniciou a Reconquista Cristã, isto é, a recuperação dos territórios em poder
dos Muçulmanos. A Reconquista cristã, durou oito séculos, cheios de guerras,
mas também de periodos de paz.”
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