Estava na fase entre o sono e o
despertar, aquela que não sabemos se estamos a dormir acordados ou a sonhar que
estamos despertos e apercebo-me de três barulhos, o miar das minhas gatas, o
toque do despertador, que por norma me obrigam a sair da cama, mas o outro som,
o da chuva a cair lá fora, que me faz desejar que esteja a sonhar que estou
acordado! Mas num vislumbre de realismo lembrei-me – Tenho consulta no
hospital!
Passo por um momento de ódio ao mundo,
que dura sete segundos, e pincho da cama, muito mais reflexo de uma obrigação
do que de uma vontade.
São oito horas e doze minutos, lavo a
cara, tomo o pequeno-almoço, lavo os dentes, visto-me, dou de comer à Clarinha
e à Julieta, as minhas gatas, e vou rápido para o hospital, onde tenho consulta
às nove horas.
Já no hospital sou atendido por uma
menina, que me pede para aguardar que me chamem, ao fundo do corredor.
São oito horas e cinquenta e oito
minutos e já estou na sala de espera. Quase que chegava atrasado!
Poucos momentos depois, abre-se uma
porta, de onde aparece uma outra menina, que chama:
–
Sr. José… - “Sou eu!”, pensei, e a menina prossegue - …Vasques! Sr. José
Vasques!
- Não, não! Sr. José…Sr. José Calheiros!
– Digo eu para a menina, corrigindo-a.
Pelas minhas costas aparece um senhor de
idade:
-
Sou eu, menina!
- Faça o favor de entrar, Sr. Vasques
Olho para o relógio. São nove horas e
três minutos e pensei, “Devem chamar-me a seguir!”.
A mesma menina, mas por vezes outra,
abriam a porta e chamavam sempre, ou por uma senhora, ou por um José, que
teimava em não ser Calheiros…e eu continuava à espera!
As pessoas eram atendidas e iam-se
embora, outras chegavam e eu continuava à espera. Este jogo de cadeiras na sala
de espera do hospital da minha terra parecia mais uma actividade de tempos
livres para idosos, fazendo com que eu, com trinta e nove anos, me sentisse um
puto.
No vai e vem de gente, naquela sala, nem
uma mulher jovem e gira, para eu encher o “papo” e me sentir apreciado e melhor
passar o tempo…sim, vivo nesta ilusão, fruto de meia dúzia de elogios recebidos
entre 1989 e 1993.
São dez horas e vinte e cinco minutos, e
por detrás da porta aparece novamente a menina, a chamar:
- Sr. José…
E eu completo - …Calheiros. José
Calheiros!
E a menina continua -… António Azevedo.
Ainda não era a minha vez. E cansado de
estar de pé, sento-me; e cansado de estar sentado, levanto-me, e por mim passa
a Dona Rosa, pessoa que quando fico até mais tarde no trabalho, aparece para
limpar o gabinete.
- Olá, bom dia! – Cumprimenta-me.
- Olá Dona Rosa, por aqui?! Está tudo
bem?
Após esta pergunta inocente, carregada
de boa educação e acompanhada por um sorriso, Dona Rosa metralha-me com todos
os seus problemas de saúde (como se lhe dessem algum conforto e sentido à vida),
mais os da sua cunhada, que ainda consegue estar em pior estado!
- Sr. José! Sr. José Calheiros, é a sua
vez. – Chama-me a menina, protegida pela porta.
Depois de ouvir a Dona Rosa, hesitei em
responder ao chamamento da menina…sentia-me com saúde para dar e vender, mas lá
entrei, já sem saber do que me queixar ao Sr. Doutor!
Saí do Hospital da Trofa às dez horas e
quarenta e nove minutos. Dos três encontros marcados para depois da consulta, o
primeiro dos quais ás dez horas, cheguei atrasado, tendo estas pessoas chegado
atrasadas ao seus compromissos posteriores.
À noite nas notícias, ouço, “Barack Obama,
está há três horas, à espera de Sérgio Humberto, candidato vencedor à Câmara da
Trofa, para uma reunião!”.
Ups, ainda bem que não
cheguei atrasado…à consulta!
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