Bem cedo, antes das oito da
manhã, saio de casa. Destino, o costumeiro de segunda a sexta, o local de
trabalho. Antes disso alguns procedimentos e
reacções habituais sucedem-se, começando pelo tocar do despertador, de
seguida odeio-o por isso durante breves segundos, mas sem nunca me passar pela
cabeça “desfazê-lo”, apenas por não me agradar, levanto-me e tomo o pequeno
almoço. Até aqui, tudo dentro da legalidade, até ao momento em que saio de casa…
continuo com o velho hábito conservador de trancar a porta e manter a minha
casa protegida!
Como ando “desalinhado” da
corrente imposta do “Tens Mais de Seis Anos Mas Tens Que Continuar a Acreditar no Pai
Natal”, estou identificado pela PPC (Polícia do Politicamente Correcto), como
prevaricador e tenho um agente à porta de casa a vigiar-me, como se deviam
vigiar terroristas, a obrigar-me a cumprir a lei…ou seja, deixar a porta
aberta, com consequências severas, mas só para mim, cidadão comum!
Ao final da tarde, no regresso
a casa, ao passar junto da estação dos comboios, vejo um grupo de cidadãos romenos, adultos
e crianças, daqueles que “trabalham” e lutam por uma vida melhor, mendigando e
roubando, passando esse saber secular aos mais novos. Apesar de tudo, o meu
sentimento “Tuga” de anjinho e de comiseração pelos desgraçados, fez-me soltar
um condescendente, “Coitadinhos!”.
Chego a casa, estaciono, saio do carro e o
agente da PPC olha-me como se olha para um malandro. Para não deixar dúvidas
levanto o braço onde tenho um saco com algumas compras e digo-lhe, a medo,
“Paguei tudo!”.
A única coisa boa de sair de
casa e deixar a porta aberta é que quando chego não tenho trabalho a
abri-la…nem os outros.
Entro e pouso as compras na
cozinha. Vou para a sala e encontro um grupo, homem, mulher e crianças, todos
morenos e feições bem diferentes das dos “meus”. O “à vontade” do grupo era tão
grande, numa casa que não era a deles, que pensei que era a família do meu
primo José Alberto, que ficam todos muito morenos no Verão. Perspicaz como
sempre sou, para tirar dúvidas, disse – Ó José Alberto, tira os pés todos sujos
de cima do sofá!
Perante a falta de resposta,
noutro golpe de perspicácia, pensei, “Este não é o meu primo. E aquela mulher e
as meninas, com lenço na cabeça, não são a mulher e as filhas!”
Nos tempos em que trancava a
porta de casa, só lá entrava quem eu convidava e havia regras, em que eu tinha
o dever de ser hospitaleiro e o convidado tinha que respeitar três regras
básicas - não alterar a decoração de casa, não parti-la e respeitar quem lá
vive…de resto, toda a diversidade era bem-vinda.
Ainda com alguns resquícios
desses tempos, em que o meu sobrinho dentro de minha casa tirava o chapéu, pedi
à senhora e ás meninas que tirassem o lenço. Gritaram coisas que não percebia e
o homem atirou-me um bibelot, muito bonito, que tinha comprado no dia anterior,
que só não me acertou na cabeça, graças à minha boa esquiva.
Saí de casa e contei o
sucedido ao agente da PPC, que me respondeu – Claro, você insultou-o! Merecia era
levar com uma pedra no meio da testa. A sua sorte é que são boa gente!
Regressei para dentro e com o
passar do tempo sentia-me cada vez mais um estranho em minha casa. Os meus
amigos deixaram de aparecer, primeiro aqueles que gostavam de falar livremente
e com o tempo, todos os outros, não aguentando a aplicação da sharia (em minha
casa) impondo comportamentos medievais e o tratamento subalterno dado ás
mulheres da família lá instalada.
Queimaram os meus livros,
partiram a televisão e o meu rádio, coisas do diabo! Agora passo o tempo a
observá-los e a trabalhar para lhes dar de comer…é a vida!
A mulher deu novamente à luz,
um rapaz, a alegria suprema do pai, já que as filhas eram peças acessórias
usadas apenas para o servir! O agente da PPC, apressou-se a dizer que como a criança
nasceu em minha casa, a minha casa ia passar a ser dela também.
- Vai ser educada por mim,
segundo os Direitos Humanos Universais? – pergunto, para me certificar
que a criança iria ter uma educação que validasse o sentimento de pertença ao
sítio onde nasceu.
- Nem pensar, é árabe e
muçulmano e vai ser educado de forma intolerante, como se vivesse na “casa” dos
pais dele! – responde o agente.
Desgastado, vou para a varanda
ver quem passa e avisto um amigo de infância, o Alain, que saúdo, com uma
abordagem jovem:
- Olá Alain, tudo baril?
Antes de ouvir a resposta do
meu amigo, sou puxado para dentro da sala pela família invasora, que me grita
em uníssimo:
- TU DISSESTE QUE ALÁ É UM
BARRIL??!!!
Sem direito a defesa fui
condenado a mil chicotadas, aplicadas em suaves doses de cinquenta por semana…porque
é tudo boa gente!
Je suis Anjinho,nous sommes Anjinhos!
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