Depois de anos de luta da
sociedade ocidental pelo direito à “privacy”, esta deu uma cambalhota,
principalmente com as redes sociais, em que a maioria reivindica para si o
direito a expor-se, fugindo da privacidade como o “diabo da cruz”, como se ela fosse o gordo tótó da escola, que tínhamos vergonha de ter como
amigo ou a gorda, que tinha amigas, apenas por ser a única que tinha carro!
A mim não me interessa se
alguém está entusiasmado ou a sentir-se triste, se comeu arroz com batatas ou
batatas com arroz, se vai fazer chichi ou acabou de fazer um cócó, não me
interessa anunciar uma tragédia e receber “gostos”, para alimentar egos,…é uma
chatice o desequilíbrio!
Tento escapar da forma que
posso a esta maré de exposição, por opção e para esconder o que não interessa
ser sabido…custa manter uma imagem de credibilidade, mesmo sem saber se a tenho,
mas continuo a crer que sim, fruto de um elogio de uma rapariga em 1998. Como
pouca coisa mudou na minha vida, presumo que o elogio deve manter -se actual,
tal como os comentários da minha mãe e não tendo em conta algum queixume da
minha senhora, apesar de eu fazer um pão-de-ló húmido, para lhe adoçar o
“bico”. O pão-de-ló só saiu húmido uma vez, mas nunca “postei” o facto no
FaceBook, e tenho a certeza que seria um dos comentários mais interessantes do
dia…dando azo a opiniões, pareceres, “gostos” e, quiçá, alguma dica para o
pão-de-ló sair húmido mais vezes.
Apesar das minhas façanhas tediosas,
dignas de exposição e capazes de se gladiarem, taco a taco, com a fotografia de
uma omolete, almoço de alguém, continuo a não ir na “onda”.
Raríssimas coisas partilho com
o “Mundo”, apenas algumas com os amigos, outras são simplesmente sigilosas…ou
eram!
O ano de 2015, que prometia
ser normal, atirou-me para o abismo. Desde há anos, sempre que necessário, sou
obrigado a estender a roupa no estendal. Com vergonha e para nunca ser visto,
acordava às seis da manhã, antes do padeiro passar, e, coberto pela noite,
desempenhava esta tarefa doméstica no segredo dos Deuses. Em conversa com
amigos, assegurava que no máximo “arrancava” a roupa do estendal…nunca na vida
estender!
1 de Janeiro de 2015, seis e meia
da manhã, um frio de rachar. Estou próximo do estendal, o padeiro não era
preocupação, porque tinha avisado que nesse dia não iria haver pão, mas esqueci-me
de que o meu vizinho, ainda jovem, tinha saído para a noitada de Passagem de
Ano. Estico a segunda toalha, vou a colocar a primeira mola e sinto um “flash”,
acompanhado de um:
- Bom dia, vizinho! Está a
estender roupa!
(Fui apanhado e fotografado)
Com excelente capacidade de
improviso, respondo:
- Nããããão, isso é para
mariquinhas! Vim fumar um cigarro! – e sopro no ar, saindo fumo de frio pela
boca.
O meu vizinho nunca me viu a
fumar e apanhou-me a estender roupa e fotografou.
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