Apesar de ter nascido no dia
26 de Dezembro de 1973, eu, dois dias antes, sem ter consciência de mim,
comecei a animar de uma forma diferente uma ceia de Natal, quando o meu pai se
ia servir pela segunda vez do bacalhau e dei um sinal de alarme à minha mãe:
- É agora! O nosso menino
vai nascer! – diz ela
- Outra vez?! –
interroga-se um dos meus tios, depois de se ter servido mais do vinho do que do
bacalhau.
- Acho que a Tininha não
está a falar do Menino Jesus, mas do nosso filho, que trás na barriga! –
clarifica o meu pai.
Como quem se serve mais do
copo do que do prato fica mais liberto de espírito, o meu tio exclama o que não
teve coragem de dizer durante nove meses:
- Pensei que a Tininha
estava a ficar gorda!!!
O meu avô, personagem
expansiva e apreciador das diferenças, que sempre se animou com a felicidade
dos outros, declara:
- Deve ser o Messias...o
outro! Aquele pelo qual os Judeus estão à espera!
Meio perdido com a
conversa e com uma espinha de bacalhau espetada na garganta, aquele que dois
dias depois seria pai pela primeira vez, reclama:
- Messias, não! O meu
rapaz vai chamar-se José Augusto.
(Tenho um tio, uma tia e
uma prima que ainda me tratam por Gustinho)
- Paizinho, paizinho... –
grita, aflita, aquela que dois dias depois seria a minha mãe.
(A melhor)
Aquele que dois dias
depois viria a ser avô pela quarta vez levanta-se e dirige-se para o telefone:
- Estou! – e a minha avó a
pensou que o meu avô estava a telefonar para a ambulância - Ès tu, António
Absolum?
Do outro lado respondem
afirmativamente. É o amigo judeu do meu avô.
- O vosso Messias vai
nascer! Está aqui em casa, na barriga da minha filha...mas não te preocupes,
vamos já para o hospital!
Do outro lado da linha
António Absolum diz algo, que faz o meu avô virar-se para o meu pai:
- Ó Gusto! A vossa lua de
mel...
(Este jovem que viria a
ser meu pai, também é Augusto)
E sem deixar o meu avô
terminar a frase, e com os dedos metidos na boca a tentar tirar a espinha, a
única coisa que saiu foi:
- Quente! As noites
estavam frias, mas a lua de mel foi quente!
O meu avô preferia que o
meu pai tivesse cuspido a espinha em vez daquelas palavras, e virado para o
telefone.
- A minha filha não vai dar
à luz virgem! O vosso Messias também tem que nascer de uma virgem?
O meu tio que se esqueceu
de comer e só bebia, olhava admirado para a “pança” da minha mãe e eu, sem
consciência de mim, dou mais um sinal vermelho.
- ELE VAI NASCER!!! –
berra a minha mãe.
O meu avô regressa à mesa e
ao pegar no copo de vinho, a minha avó,
(A melhor)
firme, ordena – Vamos já para o hospital.
Já na rua, as chaves do
carro passavam de mão em mão, não estando ninguém em condições de conduzir. O
meu tio a pensar que a minha mãe afinal não estava gorda; o meu pai aflito com
a espinha na garganta; o meu avô, fora da realidade, a pensar, “Que ser
especial estará para nascer”; as mulheres não tinham carta e a minha avó,
virada para o meu primo de dessazeis anos, que só bebeu Spur-Cola nessa noite,
diz-lhe:
- Levas tu o carro! – e
passa-lhe as chaves para a mão, tendo sido esta a atitude mais sensata.
Chegados ao hospital, o
meu tio enquanto aponta para um frasco pendurado numa maca, diz, “Quero beber
daquilo!”, e foi colocado a soro; o meu pai foi para “Clínica Geral”, para
tirar a espinha, e o médico ao ver a minha mãe, firme e em alta voz, anuncia,
“A CRIANÇA VAI NASCER.”
E nasci...dois dias
depois, no dia 26 de Dezembro de 1973. O meu avô telefonou ao seu amigo judeu e
diz-lhe, “Nasceu-me mais um Messias! É o quarto, tão especial como os outros!”.
E assim deviam ser as
crianças, pelo menos para os Seus...Especiais!
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