segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A saga dos quarenta

Apesar de o dia ter nascido luminoso, lá fora fazia frio. Quando o telefone toca, eu estava num dos estados mais idílicos que existem, proporcionado pelo binómio quentinho/fofinho, enfiado debaixo dos cobertores.
Perante o toque irritante do telemóvel (tenho que o mudar) a querer separar esse binómio, estico o braço de debaixo dos lençóis e puxo-o para dentro do “casulo”.
- Estou?! – atendo com a voz sonolenta e melada.
- Parabéns filhinho! Como te sentes na caminhada de quarentão charmoso? – pergunta a minha mãe.
Fui apanhado desprevenido pela pergunta, não pelo lado do charmoso, mas pelo lado do quarentão. Hoje, 26 de Dezembro, faço quarenta e três anos.
Sem saber como me sentia, respondi:
- Sinto-me espectacular!!!
Desligamos e…não foi um sonho!
Passaram quarenta e três anos desde 26 de Dezembro de 1973 e quarenta  e três anos e dois dias desde que a minha mãe foi para o hospital para me ter. Demorei dois dias para nascer, claro, sentia-me quentinho/fofinho!
Ainda sonolento, ouço ao ouvido um anjo com um recado do diabo:
- Quando te levantares e antes de saíres de casa, estende a bacia de roupa que está na lavandaria...e depois estende a que está dentro da máquina.
Saí da cama com o mesmo custo com que saí do ventre da minha mãe!
Enquanto estendo a roupa, que garante a estabilidade marido/mulher, toca o telefone. É a minha tia:
- Olá Zé Augustinho, estás bom? Muitos parabéns, ainda ontem tinhas vinte e já tens quarenta e três! Estás um homem.
Perante a possibilidade de amanhã acordar com sessenta, fui pôr-me bonito!
Enquanto me arranjava, liguei o rádio. Durante as ultimas escovadelas nos dentes, o radialista que estava a passar música naquela estação, faz uma passagem que nem lembra ao diabo, de Beyoncé muda para Paco Bandeira, o gajo que canta “A ternura dos quarenta”.
No final de ouvir a canção e de, inconscientemente, ter prestado atenção à letra, pensei - A canção devia-se chamar, “A Ternura dos Oitenta” – e, despassarado, estava à procura dos meus netos!
A ideia era dar um passeio a pé, mas achei demasiado ternurento depois de ouvir Paco.
 “Faço” o saco e vou para o ginásio…miúdas, música frenética, pesos…altamente jovem!
Depois de equipado, antes de entrar no ginásio, encolho a barriga, como se ainda tivesse quarenta e dois e entro pela porta…passo o olhar pela sala e…quatro homens e música de Natal. Relaxei, a barriga também, e virei-me para os pesos.
Enquanto levantava “ferro”, um pouco acima do normal, aqueles quatro exemplares masculinos olhavam-me com admiração! E esse facto, devolvia-me a confiança abalada com a canção do Paco.
Um deles, ao reconhecer-me, diz para os outros – É o filho do Calheiros! – e vêm ter comigo, perguntando pelo meu pai. Afinal, eram quatro sessentões e um deles pergunta-me:
- Tu és da idade da minha filha, não és?
- Sim, talvez um ano mais velho!
- Tens quarenta e dois?
- Quase, faço quarenta e três!
- Tchiiiiiiii! – exclamam, olhando uns para os outros!
Virei costas e pus-me em frente ao espelho, “Estou igual!”, pensei, “Ou não?!”, voltei a pensar, “Estou, estou!”, convenci-me…e fui embora, achando o ambiente um pouco idoso!
À saída, uma boa amiga, sabendo da efeméride, abraça-me e diz-me:
- Parabéns! Deixa lá, é só um número!
O tom empregue foi o mesmo com que me deram os pêsames, dias antes, com a morte do um familiar…apenas mudava a frase!
- I will survive, Paulinha! – respondi e faço-me à estrada, em corrida, deixando o carro no parque de estacionamento.
Quando chego a casa, respiro fundo e pergunto-me como será a pulsação aos quarenta e três. Meço-a e a máquina batia tão certa como um carro, com pouquíssimos quilómetros, a sair de um stand de usados!
Afinal, eu sentia-me igual ao que era na manhã do dia anterior! Num momento tinha uma idade e no outro tinha outra..nada mudou!

O que pode mudar é a forma com que os outros encararam o meu novo número…pelo sim, pelo não, nesse dia não liguei mais o rádio!

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