Apesar de o dia ter
nascido luminoso, lá fora fazia frio. Quando o telefone toca, eu estava num dos
estados mais idílicos que existem, proporcionado pelo binómio
quentinho/fofinho, enfiado debaixo dos cobertores.
Perante o toque irritante do
telemóvel (tenho que o mudar) a querer separar esse binómio, estico o braço de
debaixo dos lençóis e puxo-o para dentro do “casulo”.
- Estou?! – atendo com a
voz sonolenta e melada.
- Parabéns filhinho! Como
te sentes na caminhada de quarentão charmoso? – pergunta a minha mãe.
Fui apanhado desprevenido
pela pergunta, não pelo lado do charmoso, mas pelo lado do quarentão. Hoje, 26
de Dezembro, faço quarenta e três anos.
Sem saber como me sentia,
respondi:
- Sinto-me espectacular!!!
Desligamos e…não foi um
sonho!
Passaram quarenta e três anos
desde 26 de Dezembro de 1973 e quarenta e três anos e dois dias desde que a minha mãe
foi para o hospital para me ter. Demorei dois dias para nascer, claro,
sentia-me quentinho/fofinho!
Ainda sonolento, ouço ao
ouvido um anjo com um recado do diabo:
- Quando te levantares e
antes de saíres de casa, estende a bacia de roupa que está na lavandaria...e
depois estende a que está dentro da máquina.
Saí da cama com o mesmo
custo com que saí do ventre da minha mãe!
Enquanto estendo a roupa, que garante a estabilidade marido/mulher, toca o telefone. É a minha tia:
- Olá Zé Augustinho, estás
bom? Muitos parabéns, ainda ontem tinhas vinte e já tens quarenta e três! Estás
um homem.
Perante a possibilidade de
amanhã acordar com sessenta, fui pôr-me bonito!
Enquanto me arranjava,
liguei o rádio. Durante as ultimas escovadelas nos dentes, o radialista que
estava a passar música naquela estação, faz uma passagem que nem lembra ao
diabo, de Beyoncé muda para Paco Bandeira, o gajo que canta “A ternura dos
quarenta”.
No final de ouvir a canção
e de, inconscientemente, ter prestado atenção à letra, pensei - A canção
devia-se chamar, “A Ternura dos Oitenta” – e, despassarado, estava à procura
dos meus netos!
A ideia era dar um passeio
a pé, mas achei demasiado ternurento depois de ouvir Paco.
“Faço” o saco e vou
para o ginásio…miúdas, música frenética, pesos…altamente jovem!
Depois de equipado, antes
de entrar no ginásio, encolho a barriga, como se ainda tivesse quarenta e dois
e entro pela porta…passo o olhar pela sala e…quatro homens e música de Natal.
Relaxei, a barriga também, e virei-me para os pesos.
Enquanto levantava
“ferro”, um pouco acima do normal, aqueles quatro exemplares masculinos
olhavam-me com admiração! E esse facto, devolvia-me a confiança abalada com a
canção do Paco.
Um deles, ao
reconhecer-me, diz para os outros – É o filho do Calheiros! – e vêm ter comigo,
perguntando pelo meu pai. Afinal, eram quatro sessentões e um deles
pergunta-me:
- Tu és da idade da minha
filha, não és?
- Sim, talvez um ano mais
velho!
- Tens quarenta e dois?
- Quase, faço quarenta e
três!
- Tchiiiiiiii! – exclamam,
olhando uns para os outros!
Virei costas e pus-me em
frente ao espelho, “Estou igual!”, pensei, “Ou não?!”, voltei a pensar, “Estou,
estou!”, convenci-me…e fui embora, achando o ambiente um pouco idoso!
À saída, uma boa amiga,
sabendo da efeméride, abraça-me e diz-me:
- Parabéns! Deixa lá, é só
um número!
O tom empregue foi o mesmo
com que me deram os pêsames, dias antes, com a morte do um familiar…apenas
mudava a frase!
- I will survive,
Paulinha! – respondi e faço-me à estrada, em corrida, deixando o carro no
parque de estacionamento.
Quando chego a casa,
respiro fundo e pergunto-me como será a pulsação aos quarenta e três. Meço-a e
a máquina batia tão certa como um carro, com pouquíssimos quilómetros, a sair
de um stand de usados!
Afinal, eu sentia-me igual
ao que era na manhã do dia anterior! Num momento tinha uma idade e no outro
tinha outra..nada mudou!
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