Há algo que o homem durante o seu crescimento não desenvolve,
algo para qual nem a sua mãe o consegue preparar…
Foi a primeira vez para João, e ainda não eram casados,
quando Lurdes lhe pergunta:
- Não notas nada de diferente?
- Aonde? – responde à pergunta com outra pergunta.
- Em mim, meu lindo!
Esta cena aconteceu no início de uma tarde de Verão e
enquanto o dia durou, João olhava para Lurdes com a tensão a aumentar sem
vislumbrar nada de diferente na namorada, e já o sol se punha quando finalmente
ele arrisca responder com sinceridade:
- Não, não vejo nada de diferente! – disse, esboçando um
sorriso tímido.
Perante a resposta, Lurdes a “morenaça”, que da parte da
manhã tinha pintado o cabelo de amarelo com madeixas liláses, em vez de acabar
o namoro, pensou, fruto de uma raiva imensa, “Havemos de casar e tu vais sofrer!”.
É final de tarde, João está a chegar a casa e depois de três
meses de namoro e quinze anos de casamento, a pergunta que mais teme continua a
ser: “Não notas nada de diferente?”.
Abre a porta da cozinha e dá de caras com a mulher.
- Olá meu amor! – diz com voz trémula.
- Olá Jójó! Não notas…
E as pernas de João tremem que nem varas verdes.
- …que está frio?
João suspira de alívio: – Um bocadinho, minha Linda! - e
segue para o corredor para pousar o casaco no bengaleiro.
- Por falar em “linda”, não notas nada de diferente?
Perante a pergunta temida, João vai para o escritório e
enquanto abre o computador, exclama em voz alta:
- Linda?!
- Sim! Na sala, vê bem!
O computador está ligado e João abre uma pasta onde tem as
fotografias tiradas nessa manhã à mulher e a todas as divisões da casa. Sem
perder tempo vai para a sala com o computador e compara o que vê com as
fotografias tiradas dessa divisão.
- Amooor! Está tudo igual!
Furiosa, Lurdes irrompe pela sala:
- Iguaaal? E em mim, não notas nada?
João abre as fotografias tiradas a Lurdes nessa manhã, olha
para ela e:
- Cortaste o cabelo?!
Lurdes, a “espumar”, veste um casaco, pega num saco e nas
chaves do carro e sai, sacudindo a cabeça fazendo sobressair as extensões que
tinha colocado nessa tarde, dizendo-lhe:
- Se queres comer, faz o jantar!
Triste e a precisar de algum ânimo, João vai a uma drogaria
perto de casa, que só fecha às vinte, comprar um pisca-pólos e ver as
ferramentas. Enquanto bisbilhota uma chave de estrela, ouve:
- Olá João!
Era um bom conhecido, que mora há já algum tempo ao fundo da
rua, atulhado de ferramentas de medição: régua, esquadro, escantilhão, nível, fio-de-prumo…
- Vais construir uma casa? – pergunta João a brincar.
Depois de um compasso de espera, Miguel, o bom conhecido,
decide confiar em João…e desabafa:
- Não, João. Todo este material é para fazer marcações no
chão de minha casa. Hoje, para a agradar, deixei os chinelos no sítio e a Maria
pôs-me de castigo com o argumento de que o chinelo do pé direito estava
deslocado dois graus para norte…!!!
Ao ouvir isto João, sem nada dizer, acena a cabeça em
concordância com o amigo e com um olhar solidário! E Miguel prossegue:
- …E para acalmar os ânimos, disse que os brincos novos que
ela estava a usar lhe ficavam muito bem!
- E?! – pergunta João, expectante.
- Afinal não eram novos! Ofereci-lhe os brincos há cinco
anos, num fim de semana romântico!!! Foi o caos…estou aqui sem comer!
Por detrás de uma estante, onde estava a ver umas tintas de
interiores, Vilaça, que casou uma segunda vez, esquecendo-se amiúde que mudou
de mulher, sem querer ouviu a conversa e, interpôs-se:
- Amigos, eu posso ajudar-vos! Logo à noite estais livres?
- Sim! - respondem em uníssono, João e Miguel.
Nessa noite, João, Miguel e Vilaça, estão numa sala cheia de
homens heterossexuais e uma mulher lésbica, sentados em roda, em que uma pessoa
dá as boas vindas aos presentes:
- Muito
boa noite e sejam bem vindos! Eu sou o Rui e sou um Distraído Anónimo!...
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