domingo, 8 de dezembro de 2013

Donos da razão!

- O Pai Natal, não existe. – diz-me arrogante como se eu fosse burro.
- Existe, existe! – respondo incrédulo.
- Tu é que és burro! – diz-me aquele pirralho.
- Não! Tu é que és burro.
- Tu é que és!Seu nabo!
- Se eu sou nabo, tu és burro e nabo!
Enquanto nos gladiávamos com palavras, os corpos iam-se aproximando.
- Tu é que és burro e nabo!
- Seu burr…
E os corpos encostam-se e a gadulha começa!
Em criança era assim que no recreio da escola, decidíamos quem tinha razão. Sem a arte do argumento, quem tinha razão era o mais forte, ou mais gordo…eu nesse tempo tinha a vantagem do peso sobre os outros meninos e quase sempre tinha razão, como nesse dia! O Miguel voltou a acreditar no Pai Natal.
Apesar de ser por volta dessa altura que começámos a ter as nossas tendências profissionais, e a escolha recaía, invariavelmente, sobre ser piloto de rallies, jogador da bola, polícia, bombeiro, eu cá queria ser alpinista, fruto do encanto de um programa que dava aos sábados à tarde, que se chamava “A conquista do Everest” e conheci um miúdo que queria ser palhaço, mas o que todos inconscientemente queríamos era simplesmente ter razão!
Era de prever que com o tempo, o caminho estreito e correcto para a busca da razão fosse encontrado…mas ao que parece, continua desconhecido. Para o Miguel isso pouco importa porque aquela lição na primária fez-lhe encontrar a ilusão de ter razão, não defendendo nada, apenas descredibilizando os outros…é agora um importante líder parlamentar e continua a acreditar no Pai Natal!
Mas passados muitos anos eu e uma grande maioria, que já não acreditamos no Pai Natal, continuamos a rondar a Razão, usando fórmulas, quase ou tão infantis como as usadas em criança. Há quem A puxe para si, falando mais alto e por cima dos outros ou quem os diminua nas suas capacidades físicas (esta é a minha fórmula preferida e ontem fiz uso dela).
Estava num jogo de bola e vendo o caso mal parado, quando sofro uma falta a meio-campo, peço penalty. Perante a gargalhada do adversário, chamei-os de cegos…e convenci-os disso! O penalty foi marcado mas, com razão, fiquei chateado com a falta de seriedade do adversário.
Para me animar, um amigo de equipa, diz-me, “No fim, vou levar-te a um sítio!”.
Arrancámos e andámos muito, não sei o nome do local, mas era bem longe da Trofa e completamente estranho. À entrada do edifício, por cima da porta, uma faixa com a inscrição “Speed Dating com a Razão”, que não deixava dúvidas de que não estava num restaurante…pena, porque estava cheio de fome. Entro e rapidamente me apercebo de que a sala está cheia, aos poucos vou passando os olhos pelas caras e conheço muitas delas, principalmente do Facebook, que se indignam ferozmente nas redes sociais com qualquer contrariedade como se isso lhes valesse a Razão…deixei-me estar num cantinho.
Os encontros, apesar de rápidos, fizeram-me esperar muito tempo. Fui o último a entrar na sala onde iria ter a minha hipótese com a Razão. Sentei-me e Ela olhava para mim sem nenhum tipo de cansaço na expressão, ao contrário de mim, e olhava-me serena e firme. Tentei disfarçar a insegurança e lancei um olhar sensual, treinado em casa desde há muito tempo, e uma posse igualmente fabricada, cujo binómio julgo irresistível! Ela fez um sorriso triste, apercebendo-se da falsidade da pose, que de seguida fechou e de expressão imóvel cai-lhe uma lágrima pelo rosto. Percebi que aquela lágrima não era por mim, mas por todos que lá passaram, e não A conseguiram seduzir!
Saio da sala e ao fechar a porta, volto a olhá-La e vejo-A abraçada à Racionalidade.

Vim embora a pensar se os outros teriam visto o mesmo que eu!

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