domingo, 29 de dezembro de 2013

Ternura dos quarenta!

Era de manhã e lá fora chovia muito. Quando o telefone toca, eu estava num dos estados mais idílicos que existem, proporcionado pelo binómio quentinho/fofinho, enfiado debaixo dos cobertores.
Perante o toque irritante do telemóvel (tenho que o mudar) a querer separar esse binómio, estico o braço de debaixo dos lençóis e puxo-o para dentro do “casulo”.
- Estou?! – atendo com a voz sonolenta e melada.
- Parabéns filhinho! Como te sentes no teu primeiro dia de quarentão charmoso? – pergunta a minha mãe.
Fui apanhado desprevenido pela pergunta, não pelo lado do charmoso, mas pelo lado do quarentão. No dia anterior, 26 de Dezembro, tinha feito quarenta anos.
Sem saber como me sentia, respondi:
- Sinto-me espectacular!!!
Desligamos e…não foi um sonho!
Passaram quarenta anos desde 26 de Dezembro de 1973 e quarenta anos e dois dias desde que a minha mãe foi para o hospital para me ter. Demorei dois dias para nascer, claro, sentia-me quentinho/fofinho!

Saí da cama com o mesmo custo com que saí do ventre da minha mãe!
Enquanto me arranjava, liguei o rádio. Durante as ultimas escovadelas nos dentes, o radialista que estava a passar música naquela estação faz uma passagem que nem lembra ao diabo, de Beyoncé passa para Paco Bandeira, o gajo que canta “A ternura dos quarenta”.
No final de ouvir a canção e de inconscientemente ter prestado atenção, à letra, pensei, “A canção devia-se chamar, A Ternura dos Oitenta”, e despassarado estava à procura dos meus netos!
A ideia era dar um passeio a pé, mas achei demasiado ternurento depois de ouvir Paco.
 “Faço” o saco e vou para o ginásio…miúdas, música frenética, pesos…altamente jovem!

Depois de equipado, antes de entrar no ginásio, encolho a barriga, como se ainda tivesse trinta e nove e entro pela porta…passo o olhar pela sala e…quatro homens e música de Natal. Relaxei, a barriga também, e virei-me para os pesos.
Enquanto levantava “ferro”, um pouco acima do normal, aqueles quatro exemplares masculinos olhavam-me com admiração! E esse facto, devolvia-me a confiança abalada com a canção do Paco.
Um deles ao reconhecer-me, diz para os outros – É o filho do Calheiros! – e vêm ter comigo, perguntando pelo meu pai. Afinal, eram quatro sessentões e um deles pergunta-me:
- Tu és da idade da minha filha, não és?
- Sim, talvez um ano mais velho!
- Tens trinta e nove?
- Quase, fiz quarenta, ontem!
- Tchiiiiiiii! – exclamam, olhando uns para os outros!
Virei costas e pus-me em frente ao espelho, “Estou igual!”, pensei, “Ou não?!”, voltei a pensar, “Estou, estou!”, convenci-me…e fui embora, achando o ambiente um pouco idoso!
À saída chovia, e enquanto me convencia a iniciar a caminhada até casa, sem guarda-chuva, digna de um espírito rebelde, uma boa amiga, sabendo da efeméride, abraça-me e diz-me:
- Parabéns! Deixa lá, é só um número!
O tom empregue foi o mesmo com que me deram os pêsames, dias antes, com a morte do meu avô…apenas mudava a frase!
- I will survive, Paulinha! – respondi e faço-me à estrada.
Devido à chuva cada vez mais intensa, acelero o passo, quase correndo, até que chego a casa. Pouso o casaco, respiro fundo e pergunto-me como será a pulsação aos quarenta. Meço-a e a máquina batia tão certa como um carro, com pouquíssimos quilómetros, a sair de um stand de usados!
Afinal, eu sentia-me igual ao que era na manhã do dia anterior! Num momento tinha trinta e nove e no outro quarenta..nada mudou!


O que mudou foi a forma com que os outros encararam o meu novo número…pelo sim, pelo não, nesse dia não liguei mais o rádio!

1 comentário:

  1. Ternura dos quarente era o nome de uma tertúlia de amigos há muitos anos.
    BFDS!!

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