domingo, 5 de janeiro de 2014

Massificação.

Tinha o sonho de ser um comando, daqueles que destroem exércitos inteiros…até ir para aquela escola! Nessa escola fiz dois amigos para a vida inteira, o António, que queria ser palhaço, e o Joaquim, que queria ser girafa no Jardim Zoológico (apesar  da baixa estatura, ele tinha muito jeito para imitar as girafas).
No primeiro momento dentro da sala de aulas, a professora, de farda cinzenta, sem maquilhagem e traços rudes, que quase se confundia com um homem, disse-nos:
- Se tendes sonhos, é melhor secá-los. Ides ser todos iguais.
Durante os anos foi-nos ensinada a imoralidade da individualidade, de ter sonhos e de alcançá-los. Impuseram-nos uma felicidade baseada no medo do sucesso (fosse material ou não).
Apesar do meu sonho de menino, aquelas primeiras palavras de há sessenta anos atrás foram um consolo! Como fiquei com medo de ser bem-sucedido, deram-me a mim e aos outros naquela escola, o conforto da mediocridade.
Nunca ninguém se destacou, nem o que estudava, e tirava boas notas, nem os calaceiros (aquilo em que me tornei), com as suas notas suf -.
Não havia mais bonitos e mais arranjados, o pentiadinho tinha o mesmo sem brilho que aqueles que não tomavam banho.
Disse à minha mãe que não precisava de comprar mais perfume, nem pentes para me aprumar logo pela manhã! Por isso e com o passar do tempo, de mais bonito, passei a ser mais um, que namorou com mais uma…e deixámos de ter nome e uma imagem, mas deram-nos uma farda e ficámos todos iguais. Com dificuldade distinguia a rapariga de quem gostava, quando estava junta com as amigas! Ainda hoje tenho dúvidas se a miúda a quem pedi em casamento e hoje é mãe dos meus cinco filhos é a rapariga de quem gostava! Mas também não faz mal, eram todas muito parecidas e interessantes da mesma maneira. As conversas que tinha com uma ou com outra ou até com outro eram todas iguais. Pensávamos o mesmo sobre os mesmos assuntos, tanto naquilo com que concordávamos, como naquilo que nos indignava ou aquilo a que simplesmente encolhíamos os ombros, tudo aprendido do mesmo manual e ensinado pela mesma professora! Não sei o que é discordar dos meus camaradas, denominação ensinada na escola, e nunca discuti com a minha mulher…apesar das dúvidas que ainda tenho sobre ela ser a certa!
Para matar saudades e tentar confirmar quem é aquela que tenho em casa, por vezes olho para uma fotografia de grupo tirada naquele tempo, salvo erro no quarto ano, todos simples, como se quer, apesar de um simplório destoar, o mesmo corte de cabelo, a mesma expressão zangada (aprendida nesse ano) e cinzenta (aprendemos a não sorrir no terceiro ano). Não distingo ninguém, aliás minto, vejo um de nós a esticar o pescoço, e aposto que é o Joaquim, que no seu íntimo nunca deixou de querer ser girafa…era um rebelde. Partilhávamos o mesmo quarto e durante a noite ele ousava sonhar com cores, quando, ainda no primeiro ano, aprendemos a sonhar entre o cinzento e o preto.

O que no início me assustou e depois me consolou, foi que o “MAIS” valia o mesmo que o “MENOS”!

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