domingo, 9 de março de 2014

Estarei deprimida?

À porta, uma placa com a inscrição “Dr. Luís Fernando, Psicólogo”. Do lado de fora, meia dúzia de cadeiras vazias e outra meia dúzia ocupada de pessoas à espera que lá dentro, a consulta de Vânia termine, na parede em frente um quadro de 1983 do SLB, clube pelo qual o Dr. Luís Fernando, pessoa que ferve em pouca água, é maluco.
- E então, estranha estar a sentir-se melhor?! – pergunta o psicólogo Luís Fernando.
- Sr. Doutor, há três dias que não consigo tirar uma “selfie”, ainda em sono, quinze minutos antes do despertador tocar! – conta Vânia, pesarosa.
- Ui, e você conseguia? – pergunta espantado, o médico.
- Sim, Doutor! E é por isso que sou altamente admirada pelos meus cinco mil amigos e setecentos e oitenta e quatro milhões de seguidores. – responde com toda a naturalidade.
- UI, isso não é normal? – responde o médico, dando um salto na cadeira.
- Pois não é não!!! Já são três dias…deve ser um esgotamento! – tenta adivinhar.
- O que não é normal é ter tantos amigos e seguidores! – corrige o psicólogo Luís Fernando - Mas conte-me mais...
E Vânia prossegue:
- Hoje, por exemplo, acordei cheia de fome e partilhei isso com o meu marido, ele preparou-me o pequeno-almoço…e conversámos!
- Que bonito! – responde o psicólogo – Tem a certeza que veio à consulta certa?
- Claro que sim, Sr. Doutor! Então a minha vida está a descambar e não estou nada preocupada com isso…isso preocupa-me! Ainda há poucos dias partilhava com o mundo que tinha acordado com fome e tirava fotografias à torrada, à meia de leite e às migalhas, anunciava as minhas tristezas e alegrias, amores e zangas, fazia amigos com um click e desfazia amizades com outro…era uma alegria…agora?! Que estranho, agora também é – desabafa.
- Então não se sente triste?
- Não, Doutor, e o dia até foi estranho! Eu e o meu marido sorrimos um para o outro, ele disse que gosta de mim e sorrimos, falei na rua com pessoas que conhecia e vi-lhes a expressão, mas não é tão estimulante como um “like” ou uma “partilha”! Devo ter alguma coisa na cabeça, de certeza!
- Hummm, interessante! – exclama, o psicólogo.
- Sou um caso de estudo? – pergunta Vânia.
- Você? Não creio.
E Vânia prossegue:
- E faz quatro dias que não me indigno “furiosamente” , três vezes ao dia após as refeições principais, com um qualquer assunto banal!
- E isso é importante para si? – pergunta o médico, enquanto toma apontamentos.
- Achava que sim! Fazia-me sentir interessante…agora, estranhamente já não, aceito-me como sou, dando importância ao que interessa!
- A senhora tem a certeza que veio à consulta certa? – repete a pergunta,Luís Fernando.
- Tenho, Doutor. Estarei a ficar deprimida?
- Não, a senhora está é a ficar normal!

Quando a paciente saíu da consulta, Luís Fernando, marido de Vânia, sorriu e partilhou no facebook, “estou a sentir-me feliz!”.

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