Quando tomou consciência de si como pessoa materialista e se apercebeu que
não pertencia a uma família bafejada pela sorte, de imediato se revoltou com os
pais, não lhes dirigindo a palavra durante três meses. Victor Incertâncio não
entendia como sendo o pai e a mãe, pobres, nem um nem outro procuraram alguém
rico para se casarem.
Foi para a primária aos sete anos, um pouco mais tarde que os outros
meninos, pois tinha que levar os dois bois e a vaca da família para o campo
logo pela manhã. Só quando o irmão mais novo fez cinco anos e, segundo os pais,
já estaria na idade de assumir responsabilidades e deixar as brincadeiras de
canalha, foi substituído na actividade de levar os animais para o campo e
ingressou na Escola Primária de Campanhã.
Mais por burrice dos coleguinhas do que por inteligência própria, Victor
Incertâncio distinguia-se dos restantes.
Quanto é 2x1? – Pergunta a Professora Luísa ao Nando, que se encontra no
quadro.
O tempo passa e a hora para o recreio aproxima-se. Todos os meninos pensam,
“Responde”.
A vontade de que Nando respondesse era para poderem ir para o intervalo e
por medo que a professora direccionasse a pergunta para outro. O único com
alguma certeza do resultado é Victor Incertâncio, que tem a certeza que o
resultado é “dois” ou “três”.
- Ninguém sai da sala, enquanto o Nando não responder. – Impôs a
professora.
Com o Nando cada vez
mais nervoso, a matutar qual será o resultado da conta de “vezes”, a professora
perde-se nos seus pensamentos, revelando um sorriso, na expressão austera,
preso ao passado, em que recorda o boato transmitido por uma prima, de que um
primo do amigo do primo, irmão da prima, estaria apaixonado por ela e com
intenções sérias de casar. O casamento nunca chegou a acontecer, porque eles
nunca se chegaram a conhecer! Ainda hoje, a professor Luísa diz-se solteira por
opção, apesar de ter vivido um grande amor!
Já muito depois da
hora do recreio, Luísa “desperta” e fecha a expressão:
- Menino Nando, 2x1?
- Não sei, professora!
– responde Nando, a chorar.
- São “2”! – Dispara a
resposta, Victor Incertâncio, sem ter a certeza, num golpe de sorte.
- Muito bem! – Elogia
a professora, confundindo o golpe de sorte, com inteligência.
E assim seria a sua
vida, feita de golpes de sorte e “chico-espertices”, que determinariam a sua
ascensão. Durante a adolescência pagou os estudos superiores com o dinheiro
ganho a jogar bilhar, sempre com o mesmo adversário, escolhido a dedo, o
Abílio, portador de Trissomia 21, na altura chamado de mongoloide. Os pais de
Abílio, não se importavam com o facto de o filho perder muito dinheiro no jogo,
esta era a forma dele ter um amigo, nem que fosse interesseiro. Mas a amizade
ficaria para a vida.
Pouco depois de se ter
formado em Economia e tudo perspectivar uma carreira profissional a “chular” o
Bilinho, este, numa tarde quente e aborrecida de Verão, parte o polegar da mão
direita a lançar um pião. Quando Victor Incertâncio recebe a notícia, o mundo
quase que desabou com a forte possibilidade de ter que trabalhar, mas
rapidamente arranjou solução...fundou um banco, vivendo à grande, sempre com o
dinheiro dos outros!
Actualmente, em Campanhã, encontra-se a sede do BISCAA, Banco de
Investimentos Seguros com Alguns Azares, cabeça de um importante grupo
financeiro, com monopólio em todas as actividades em que o dinheiro possa ser
ganho com práticas pouco claras, usando tráfico de influências e à custa dos melhores
talentos que Vitor Incertâncio “busca” nas Universidades.
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