quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Adélio Dani (7º episódio)

Os anos vão passando e o tempo apaga a vergonha e o passado ilustre de Adélio Dani! A vida agarra-se novamente a uma rotina rotineira, Dália e Augusto saem cedo para trabalhar e Adélio Dani, ainda criança, fica em casa aos cuidados do cão e seu fiel amigo, Rubi.
Tinha Adélio Dani já completado dez anos quando um dia ao final da tarde, já próxima de casa, a mãe encontra a vizinha Zulmira, que lhe pergunta:
- Então Dália, que tal vai o Adélio na escola? Já está na quarta classe?
 - Chiça! -Retorquiu Dália, batendo com a palma da mão na testa – Esqueci-me que ele tinha que ir para a escola!
Adélio Dani, devido à idade tardia com que reentrou na vida académica, era o maior, mas também revelou-se, intelectualmente, o menos dotado da escola, sendo facilmente manipulado e influenciado pelos mais putos. Era sempre ele a ir ao poste e sempre que os seus colegas faziam asneiras, deitavam as culpas no Adélio, por isso estava sempre de castigo no canto da sala e com orelhas de burro, colocadas pela professora Clarisse, fria e implacável, que escondia um coração doce e romântico, onde guardava um amor secreto.
A única coisa interessante que Adélio Dani aprendeu não foi na escola, mas sim a ouvir um estranho, na taberna da freguesia, que falava de tempos idos e de grandes Impérios. Adélio Dani ficou fascinado e fixou a história de Júlio César, o “Grande Conquistador da Gália” e “Ditador Vitalício de Roma” e do seu sobrinho Octávio, que após ganhar a batalha marítima contra Marco António viria a ser o primeiro Imperador de Roma, O Grande César Augusto. Nesta história, Adélio Dani, ficou fascinado pela figura de César Augusto.

Após deixar a escola, ao fim de quatro anos, e não tendo conseguido passar para a segunda classe, Adélio Dani, com catorze, estava decidido a entrar no mundo do trabalho, mas a fazer algo que não fosse muito duro nem com horários rígidos.
- É isso, vou começar a ir aos recados para a minha mãe e para a minha avó! – Exclama, altamente esfuziado por esta ideia brilhante.
A ideia de Adélio Dani não era cobrar o serviço, mas sim ficar com o troco das compras. Durante dois meses andou sempre com trocado nos bolsos. Começou a tomar café e a ir à taberna com mais frequência e pela primeira vez, já com quinze anos, arriscou convidar uma miúda para lanchar…e assim leva a primeira nega.
Este negócio prosperava, mas foi descoberto e a sua mãe e avó começaram a mandá-lo às compras com o dinheiro certinho. A mina de Adélio Dani acabou, tinha que pensar em alternativas.
Muito pensou e: - Vou ser aldrabão! – Decidiu ser biscateiro.
Mas Adélio Dani não percebia nada de nada, portanto, ele arranjava o serviço, pedia ao cliente dinheiro adiantado para o material e algum para ele, e nunca mais aparecia. Começou a ganhar fama como o “Biscateiro Fantasma”! Durante dois anos, nunca repetiu a mesma zona para a prática da sua actividade que acabou por findar por se ter esgotado o espaço geográfico para se movimentar.
Nesta altura, com dezassete anos, Adélio Dani já tem as feições bem definidas. Usa penteado à Paulo Bento, tem rosto fino e magro, pernas arqueadas, demasiado magro, que ele confunde com elegância, tem uma ligeira corcunda, calça 46 e mede 1,69 metros. É um rapaz mal parecido, mas o espelho mente-lhe.  Acha-se o máximo, mesmo nunca tendo conseguido levar, até então, uma mulher para sair e nunca tendo recebido um elogio do estilo “tu és tão bonito” ou “ hoje estás giro”, nem mesmo ”até és engraçadinho”. Nem Dália, sua mãe, o elogiava, porque achava pecado mentir.
Desocupado, Adélio Dani, sozinho, começou a dar uns passeios pelo monte próximo de casa para pensar na vida. Nesse monte e sem Adélio saber, costumavam encontrar-se, para brincar e rezar, três amiguinhos escuteiros que mostravam a pilinha uns aos outros e davam beijinhos nos rabinhos uns dos outros, antes de orarem! A primeira vez que Adélio se cruzou com estes filhos de Deus, foi ditada a sua primeira experiência sexual, ao ser violado pelos três, quando já regressava a casa! Com o tempo gasto na violação, não houve tempo para rezar!
Adélio Dani chegou a casa fisicamente desgastado e com um andar diferente, com pernas bastante abertas e costas corcundas, mas viu-se ao espelho e não desgostou. Em casa, à excepção de Rubi, ninguém reparou que Adélio estava diferente e ele não comentou com ninguém essa sua experiência com os escuteiros. Adélio Dani sempre ouviu dizer que a primeira vez era geralmente frustrante e pensou que aquele acontecimento tinha sido normal e que “a primeira vez” de toda a gente era a violação homossexual.
Os passeios de Adélio pelo monte para pensar na vida, duraram uns meses, assim como os encontros ocasionais com os escuteiros que foram passando a palavra e a partir da terceira semana, em vez de três, estava lá todo o agrupamento “mirim”. As violações continuaram e os escuteiros deixaram de ter tempo para rezar!
Noutro dia ao final da tarde, já próxima de casa, Dália, encontra novamente a vizinha Zulmira, que lhe pergunta:
- Ó Dália, o teu filho está com um andar tão estranho?!
- Achas?
- Então… ele a andar quase que ocupa a rua toda com as pernas abertas!
- Ui, eu reparei que está um bocadinho diferente, mas deve ser do crescimento, não?
- Não. Isto traz água no bico! Quando ele era bebé, usava calçado ortopédico?
- Não vizinha, mas quando ele tinha dois anos, ofereci-lhe umas soquinhas tão bonitas! – E após uma breve pausa – Mas nunca as usava, acho que não gostava!
- Então é isso Dália, ele tem um problema nos pés. Eu tenho os sapatinhos do meu Gonçalo guardados, de quando era bebé! Vais levá-los e vais ver que daqui a algum tempo o teu Adélio está bom!
Dália levou para casa os sapatos ortopédicos do filho da Zulmira, que os usou desde os três meses até aos quinze anos e que foram alargando! Por dificuldades económicas, Zulmira só pôde comprar outro par de sapatos para Gonçalo, quando este já era adolescente.
Já em casa, na sala, Dália vira-se para o filho, que tinha acabado de chegar do monte e:
- Adélio Dani! – Chama Dália, num tom autoritário.
- Sim, mãe!
- Meu filho, anda desta parede até à porta!
Adélio Dani assim fez, e no percurso virou a mesa de jantar, deitou ao chão dois potes e um vaso!
- “Não noto nada de diferente, mas pelo sim, pelo não…” – Pensa Dália, para dizer de seguida:  – Adélio, a partir de agora vais começar a usar estes sapatos! Bonitos, não são?
- Fogo mãe, são feios e abertos à frente! – E depois de os experimentar… – E os dedos ficam de fora!
Dália fica a olhar para os pés do filho, com ar pensativo e:
- Até são jeitozinhos! Adélio, a partir de agora usas sempre esses sapatinhos!

Nasce um novo dia e bem cedo, Augusto, o chefe de família, é o primeiro a sair. Vai embarcar numa nova aventura e distante...vai para a pesca do bacalhau, nos mares do norte.

(continua)

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