Augusto e Dália
olham um para o outro e sentem que naquele sítio poderiam encontrar explicação
para o sucedido. Sem nada dizerem, entram no estabelecimento do Neto, enquanto
Narciso, irmão de Dália, diz: – Eu vou indo!
Entram, seguem um
pequeno corredor e desembocam numa pequena sala, escura, com uma mesa ao
centro, onde está sentado o vidente Neto e no canto três motorizadas. O vidente
Neto tem como part-time a actividade
de garageiro.
- Boa tarde,
estava à vossa espera! – Diz o vidente!
- Fogo! Como
sabia que vínhamos? – Pergunta Augusto.
- Então, eu
encomendei-vos uma pizza! – Diz o vidente Neto, admirado.
- Deve haver
engano, nós não trazemos nada! – Clarifica Dália.
- Aaahh… então
não era à vossa espera que estava! – Diz o Neto, e prossegue. – Que vos traz
por cá?
- Uma chatice Sr.
Vidente, o nosso filho praticamente nasceu a falar como gente grande, entrou
logo na Faculdade e com cinco anos e meio já tem um curso superior, mas agora
esqueceu-se de tudo e parece uma criança normal!
- Algo muito
estranho e sem explicação natural aconteceu – Conta Augusto.
- E que idade é
que ele tem agora? – Pergunta Neto, o vidente
- Tem cinco anos
e meio Sr. Vidente! Estamos a vir agora da apresentação do trabalho de fim de
curso do nosso Adélio! Mas esqueceu-se de tudo! – Explica Augusto.
- Muito bem, já
percebi! Vou consultar a minha mota mágica! – Diz Neto.
Dália, Augusto,
Adélio Dani e Rubi, muito admirados, ficam a olhar uns para os outros, enquanto
Neto, o vidente, se dirige para uma das motorizadas que estão no canto da
garagem! Coloca o “quico” na cabeça, monta a Famel e durante breves momentos acaricia o depósito de combustível da
motorizada! Desmonta a motorizada, saca de pente, penteia o cabelo para o lado
e dirige-se novamente para a mesa, no centro da sala. Senta-se e diz:
- Quando o puto
nasceu, ele não falou, quem falou foi o cão!
- O quêêêêêê?? Assim
não te damos nada! – Dizem os pais de Adélio Dani.
- O que é que eu
disse?! – Pergunta o vidente.
- Disseste que
quem falou foi o cão! – Diz Augusto.
- Confundi-me, o
menino quando nasceu falava muito bem! Vocês se fossem uns pais em condições,
tinham-no metido no Inglês. – Diz o vidente.
- Olhe, não nos
lembrámos! – Responde Dália, e prossegue: – Mas afinal o que é que o nosso
menino tem?
- Esqueci-me! – Responde
Neto, o vidente.
Levanta-se da
mesa e dirige-se para a mesma motorizada no canto da garagem! Coloca o “quico”
na cabeça, monta a Famel e durante
breves momentos acaricia o depósito de combustível da motorizada! Desmonta a
motorizada, saca de pente, penteia o cabelo para trás e dirige-se novamente para
a mesa, no centro da sala. Senta-se e diz:
- A criança, sem
vocês se aperceberem, caiu e bateu com a cabeça no chão e ficou com inteligência
normal!
- Ai meu Deus,
que desgraça! O que nos havia de acontecer, coitado do nosso menino! – Exclamam
os pais de Adélio Dani.
- Gostaram da
explicação? – Pergunta o Neto.
- Sim, gostamos!
– Responde Dália
Perante esta
resposta positiva, Neto, o vidente respira de alívio! Da entrada da garagem
ouve-se uma voz: - Venho entregar uma
pizza.
- E agora, o que
fazemos? – Pergunta Augusto, sem vislumbrar soluções.
- Vocês pais,
voltam a ter um filho normal de cinco anos e meio. Ele tem que brincar com outras
crianças, atirar pedras às sardaniscas, rachar a cabeça, ir para a
escola…primária, andar à gadulha,
coisas assim! Entenderam? – Explica Neto.
- Sim, Sr. Vidente,
entendemos! Quanto é da consulta? – Pergunta Augusto.
- Olhem, à saída,
paguem a pizza ao homem que está lá fora.
A família chega a
casa, em Campanhã, e chega com a vergonha de Adélio Dani ter perdido, aos cinco
anos e meio, o título do mais bem sucedido da freguesia. Este título passou
para Nel, olhado agora por todos com mais admiração, por passar do segundo para
o primeiro mais bem sucedido da zona.
Casado, sete filhos, a mulher só lhe foi infiel quarenta e quatro vezes em quinze
anos de casamento… e um pormenor de classe nesta comunidade, Nel tem um emprego…
na verdade, um part-time na
lavandaria da freguesia vizinha que lhe garantia um ordenado e onde também
lavavam a roupa da sua família a um preço simbólico. É a família mais
limpinha da zona.
(continua)
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