Félix, assina, como no bilhete de identidade, Felix Da Silva De
Pereira e é conhecido em casa por pai e “óme”, mas é mais conhecido entre os
amigos por Félix e mais conhecido entre os conhecidos por Félix. Quando conhece
alguém apresenta-se como Félix Da Silva e entre quem não o conhece é conhecido
por “aquele gajo, pá!”.
Em Março de 1974 fez quatro anos de casado, cerimónia que
aconteceu em 1970, após a chegada de uma missão de dois anos e meio no norte de
Moçambique, onde fez amizades de sangue que nunca esqueceu. Nesses quatro anos
de alguma felicidade teve quatro filhos da mulher, a quem os pais puseram o
nome de “Maria”, porque desejavam que a filha fosse um exemplo de mulher, como
a mãe de Cristo, e “do Céu”, porque a mãe, devota seguidora do padre da aldeia,
gostava de uma passagem da homilia, em que se faz referência à “Glória ao Céu”.
Com quatro gravidezes e actividade física restringida às lides
domésticas e a tratar dos filhos e do “home”, o corpo de Maria do Céu tornou-se
desinteressante (sem nunca o ter sido) aos olhos de Félix. O casamento pela
igreja e a “vergonha” não davam coragem a Félix para deixar a mulher, apesar de
ele ter a certeza que era isso que queria nos festejos do quarto
aniversário. Precisava de uma reviravolta na sua vida!
Um mês depois aconteceu uma reviravolta ao país, através de um
golpe de estado, com o objectivo (aparente) de Democratizar, Descolonizar e
Desenvolver.
Félix Da Silva De Pereira não era muito inteligente, mas não se
deixava ir pelas “ondas como os cardumes” e apercebeu-se que o “Democratizar”
aconteceu por um triz, visto que alguns (talvez a maioria) capitães de Abril
queriam acabar com uma Ditadura de Direita e impor outra, tornando Portugal um
país satélite da União Soviética; o “Descolonizar” foi apressado, fazendo
500.000 portugueses voltar à metrópole, sem nada, e deixando as ex-colónias
entregues a facções armadas e a população africana desprotegida; e o
“Desenvolver”, através de uma reforma agrária medieval!
- Isto eu não festejo! – Pensou Félix, ainda longe de imaginar o
que esperava o país, a nossa “classe política”.
Mas graças ao 25, Félix festejou os dias 26, 29 e 30, datas
correspondentes aos seus 3D’s de Abril.
Festeja o “Divertir”, a 26 de Abril. Sem medo junta-se com os
amigos na mesa do café ou na rua e expressa as suas opiniões e no fim vai para
casa em vez de ser preso…não imaginava que fosse tão animado falar sem ser em
surdina e a espreitar por cima do ombro!
A 29 de Abril festeja o “Divorciar”. Foi neste dia de 1974, que
chega a casa com os papéis para o divórcio e encontra a mulher de mini-saia, a
mostrar as “carnes” e a fumar SG Gigante e com uns papéis de divórcio, também
na mão. Foi um espanto para ele…sempre pensou que Maria do Céu fosse feliz, a
cozinhar, a limpar, a “apanhar” de vez em quando e a cuidar dos filhos e dele!
No dia 30 terminam os festejos de Abril, com o último “D” de
“(en)Dividar”, o maior rasgo de desenvolvimento e modernidade português.
Neste dia de 74, Félix foi ao banco onde trabalha o amigo Tone e
pergunta-lhe pelo estado da “conta”.
- Não tens dinheiro…mas também não deves nada a ninguém! –
esclarece Tone.
- Está mal! – Responde Félix, continuando – Dá-me um crédito
qualquer que me crie dívida.
Ao longo dos anos, Tone deu-lhe créditos para tudo, tornando Félix
numa personalidade fiscal falida, mas moderna!
Nos festejos dos
quarenta e um anos dos 3D’s de Félix, este foi obrigado a festejar o “dia da
liberdade”, o 25, de cravo na lapela pela PDPC-DGS (Polícia do Politicamente
Correcto-…)…mas o “D” de “Democratizar” vai festejar às escondidas desta, ao
celebrar os quarenta anos do 25 de Novembro de 1975.
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