Tinha o sonho de ser um
comando, daqueles que destroem exércitos inteiros…até ir para aquela escola!
Nessa escola fiz dois amigos para a vida inteira, o António, que queria ser
palhaço, e o Joaquim, que queria ser girafa no Jardim Zoológico (apesar
da baixa estatura, ele tinha muito jeito para imitar as girafas).
No primeiro momento dentro
da sala de aulas, a professora, de farda cinzenta, sem maquilhagem e traços
rudes, que quase se confundia com um homem, disse-nos:
- Se tendes sonhos, é
melhor secá-los. Ides ser todos iguais.
Durante os anos foi-nos
ensinada a imoralidade da individualidade, de ter sonhos e de alcançá-los.
Impuseram-nos uma felicidade baseada no medo do sucesso (fosse material ou
não).
Apesar do meu sonho de
menino, aquelas primeiras palavras de há sessenta anos atrás foram um consolo!
Como fiquei com medo de ser bem-sucedido, deram-me a mim e aos outros, naquela
escola, o conforto da mediocridade.
Nunca ninguém se destacou,
nem o que estudava e tirava boas notas, nem os calaceiros (aquilo em que me
tornei), com as suas notas suf -.
Não havia mais bonitos e
mais arranjados, o pentiadinho tinha o mesmo sem brilho que aqueles que não
tomavam banho.
Disse à minha mãe que não
precisava de comprar mais perfume, nem pentes para me aprumar logo pela manhã!
Por isso e com o passar do tempo, de mais bonito, passei a ser mais um, que
namorou com mais uma…e deixámos de ter nome e uma imagem, mas deram-nos uma
farda e ficámos todos iguais. Com dificuldade distinguia a rapariga de quem
gostava, quando estava junta com as amigas! Ainda hoje tenho dúvidas se a miúda
a quem pedi em casamento e hoje é mãe dos meus cinco filhos é a rapariga de
quem gostava! Mas também não faz mal, eram todas muito parecidas e interessantes
da mesma maneira. As conversas que tinha com uma ou com outra ou até com outro
eram todas iguais. Pensávamos o mesmo sobre os mesmos assuntos, tanto naquilo
com que concordávamos, como naquilo que nos indignava ou aquilo a que
simplesmente encolhíamos os ombros, tudo aprendido do mesmo manual e ensinado
pela mesma professora! Não sei o que é discordar dos meus camaradas,
denominação ensinada na escola, e nunca discuti com a minha mulher…apesar das
dúvidas que ainda tenho sobre ela ser a certa!
Para matar saudades e
tentar confirmar quem é aquela que tenho em casa, por vezes olho para uma
fotografia de grupo tirada naquele tempo, salvo erro no quarto ano, todos
simples, como se quer, apesar de um simplório destoar, o mesmo corte de cabelo,
a mesma expressão zangada (aprendida nesse ano) e cinzenta (aprendemos a não
sorrir no terceiro ano). Não distingo ninguém, aliás minto, vejo um de nós a
esticar o pescoço, e aposto que é o Joaquim, que no seu íntimo nunca deixou de
querer ser girafa…era um rebelde. Partilhávamos o mesmo quarto e durante a
noite ele ousava sonhar com cores, quando, ainda no primeiro ano, aprendemos a
sonhar entre o cinzento e o preto.
O que no início me
assustou e depois me consolou, foi que o “MAIS” valia o mesmo que o “MENOS”!
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